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Insider trading e crime de manipulação de mercado: reflexos da nova lei

publicado_em 01/16/2018 15:45

A Lei 13.506/2017 trouxe inúmeras mudanças aos processos administrativos de caráter sancionatório nos âmbitos da regulação bancária e do mercado de capitais.

Mas ela não se limitou ao aspecto das sanções administrativas, alterando a estrutura dos tipos penais da Lei 6.385/76, que trata do mercado de capitais (“Lei de Mercado”).

Os tipos penais da Lei de Mercado haviam, na verdade, sido inseridos em nosso ordenamento jurídico há relativamente pouco tempo, pela Lei 10.303/2001, que reformou a Lei das Sociedades Anônimas. Assim, a mudança que ocorreu este ano mexe em terreno pouco sedimentado, afinal, data apenas de 2016 a primeira condenação transitada em julgado pelo cometimento do crime de insider trading no Brasil. Trata-se da condenação do então administrador da Sadia, o qual, ciente da futura oferta para aquisição do controle da Perdigão, adquiriu títulos emitidos por esta companhia no exterior, antes da operação de compra ser divulgada ao mercado, ainda no contexto da crise de 2008.

Torna-se, pois, um tanto quanto difícil dizer se as mudanças se mostram realmente necessárias, afinal, há pouco material jurisprudencial para analisar o andamento das matérias. Até o momento, podemos afirmar somente que a mudança, mesmo não tendo aumentado penas, teve um caráter punitivista, pois simplificou os crimes, aumentando sua abrangência.

A nova lei simplificou a estrutura típica tanto do crime de manipulação de mercado quanto do crime de insider trading, dos artigos 27-C e 27-D da Lei de Mercado, respectivamente.

Quanto ao crime de manipulação de mercado temos o seguinte:

 

Antes

Depois

Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. 

Art. 27-C.  Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros: 

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime

 

 

O primeiro ponto – louvável – é que não houve majoração de pena. A pena máxima permanece sendo de 8 anos, o que implica uma prescrição abstrata de doze anos. Não custa destacar que é este prazo – o de doze anos – que deveria ser observado por agentes que atuam no mercado de capitais para a manutenção de documentos, não por força de lei ou de regulamento (cujo prazo se limita a cinco anos), mas por precaução face a futuros problemas criminais. Trata-se de uma medida de compliance criminal.

A principal mudança, não obstante, se refere ao trecho em destaque na antiga redação: excluiu-se do tipo penal a finalidade específica de “alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado”. A redação atual apenas faz referência à “elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário”.

A mudança tenta trazer para o plano objetivo um elemento que antes estava alocado na parte subjetiva do tipo. Se, antes, era necessário fazer prova dessa finalidade (dolosa) de “alterar artificialmente” o funcionamento do mercado, hoje basta fazer prova de que a conduta do agente estava “destinada a elevar, manter ou baixar” os preços de determinado valor mobiliário.

Trata-se, portanto, de uma simplificação típica que parece fazer eco às mudanças na teoria do dolo e do elemento cognitivo necessário para verificação do injusto penal, especialmente quando a prática criminosa se restringe a atores muito qualificados que operam dentro de um mercado onde circula muita informação e conhecimento agregado.

A meu ver, a medida expande o tipo penal, pois não é preciso mais fazer prova extensa desse elemento subjetivo especial.

De todo modo, o crime permanece sendo um crime formal: não é preciso que a conduta, de fato, gere nenhum resultado, apenas que seja direcionada para manipular o mercado. Aqui cabe uma ponderação, contudo: justamente por permanecer formal, a tese defensiva de crime impossível deve emergir como uma constante. Afinal, há situações de mercado que inviabilizam qualquer esforço no sentido de evitar uma queda ou um aumento no preço de valores mobiliários (tornando impossível que a conduta se consuma com a lesividade típica que o crime requer).

Tudo fica ainda mais interessante quando nada acontece: quando os preços são mantidos, mas, de fato, a situação que se desejava evitar no mercado (e que causaria elevação ou diminuição de preços) também não ocorreu. Tal conduta é absolutamente inócua e, ainda que constitua um ilícito administrativo, não pode ser objeto de sanção penal. Punir essa conduta seria um atentado à ideia de proteção de bens jurídicos, mas também à ideia de subsidiariedade e fragmentariedade do direito penal.

Já no crime de insider trading, temos o seguinte cenário

Antes

Depois

Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:                   

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. 

§ 1o  Incorre na mesma pena quem repassa informação sigilosa relativa a fato relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o emissor.

 

Art. 27-D.  Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. 

§ 1o  Incorre na mesma pena quem repassa informação sigilosa relativa a fato relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o emissor.

§ 2o  A pena é aumentada em 1/3 (um terço) se o agente comete o crime previsto no caput deste artigo valendo-se de informação relevante de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo

 

Aqui também, houve uma simplificação do tipo principal – sendo a pena mantida a mesma.

A diferença, apontada na exclusão do trecho em destaque, facilita a incriminação. Agora, pode ser alvo da persecução criminal qualquer pessoa que utilize a informação relevante, ainda que não tenha o dever de manter sigilo.

Ia reversa, pode-se dizer que, agora, a Lei estende esse dever de sigilo a toda e qualquer pessoa que tenha acesso a informações relevantes no mercado de capitais.

Anteriormente, esse era um caso de clara assessoriedade administrativa: para condenar alguém por insider trading, era preciso provar que essa pessoa tinha o dever de manter sigilo. Esse dever decorreria da Lei (na lei das sociedades anônimas, ele se estendia aos administradores, por exemplo, mas não necessariamente aos acionistas, caso estes não agissem em conflito de interesse), da regulação (as normas da Comissão de Valores Mobiliários) ou de contrato.

Certamente, isso constituiria uma dificuldade para a acusação – e, em alguma medida, a simplificação aproxima o crime de insider trading do que se espera dessa regulação, já que apenas pessoas autorizadas deveriam ter acesso às informações privilegiadas. A partir de agora, toda e qualquer pessoa que tenha acesso a informação relevante não divulgada ao mercado terá de se abster de utilizar essa informação, para não incorrer em crime.

Por outro lado, aquele que de fato tinha o dever de manter o sigilo, em decorrência de lei, regulamento ou contrato, ao cometer o crime de insider trading terá sua pena majorada em um terço, com a inclusão do parágrafo 2º no artigo.

Detalhe: o “vazamento” de operações para a mídia passa, claramente, a integrar o tipo penal, vez que se trata de um caso de utilização que é plenamente capaz de influenciar os mercados.

Uma nota ainda cabe acerca da “mudança” trazida ao crime de exercício irregular da profissão, do artigo 27-E da Lei de Mercado.

A grande alteração foi substituir a expressão “atuar [...] sem estar, para este fim, autorizado” pela expressão “exercer [...] a atividade [...] sem estar para este fim autorizado” e algumas outras pequenas mudanças que, aparentemente, tinham apenas caráter textual. Aqui, apesar do intuito incriminador da reforma, não parece ter havido mudança significativa.

Por fim, vale destacar que a interação entre CVM e Ministério Público deve aumentar. Não por outro motivo, pessoas envolvidas em ilícitos administrativos que possam caracterizar, também, crimes contra o mercado de capitais e desejem assinar termo de compromisso com o regulador, podem ter o interesse de já envolver a autoridade penal, sempre assessorados por advogado especializado na área.

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