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Revertendo consolidada jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP, a 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, no processo nº 1002198-13.2025.8.26.0100, autorizou a averbação de instrumento particular de comodato, em que pese (i) a ausência de previsão expressa no rol do inciso II do art. 167¹ da Lei Federal nº 6.015/73 (“Lei de Registros Públicos” ou “LRP”) e (ii) a vedação prevista nas Normas Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça do TJSP².
Trata-se de pedido de providências, formulado pelo 6º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de pessoa jurídica, diante da negativa em se proceder à averbação de instrumento particular de comodato, para viabilizar posterior averbação de contrato de locação.
O Oficial afastou a averbação devido à ausência de previsão legal, uma vez que se trata de direito obrigacional (e não de direito real), o qual não recebe acesso ao registro imobiliário. E, de fato, tal entendimento sempre foi dominante na jurisprudência do Conselho Superior de Magistratura do TJSP.
Todavia, a sentença proferida pela Juíza Dra. Renata Pinto Lima Zanetta, no caso concreto, revisitou a possibilidade da anotação do comodato no fólio real. Sua decisão partiu do que foi julgado no processo nº 1078412-50.2022.8.26.0100 da 1ª Vara de Registros Públicos, reconhecendo que, após o advento da Lei Federal nº 14.382/2022, a interpretação a respeito do tema merecia ser alterada.
Isso porque seria possível afirmar que o art. 246 da LRP foi alterado por referida legislação para prestigiar o princípio da concentração dos atos da matrícula, introduzido no ordenamento jurídico em 2015 (art. 54, §1º, da Lei n. 13.097/15³), a fim de permitir que, no limite, qualquer ato ou situação jurídica tenha acesso ao Registro de Imóveis para que, ao menos, qualquer interessado, mediante obtenção da certidão de matrícula, tenha conhecimento dos fatos que acontecem sobre o imóvel pesquisado.
“Art. 246. Além dos casos expressamente indicados no inciso II do caput do art. 167 desta Lei, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro ou repercutam nos direitos relativos ao imóvel.”
Ademais, como se sabe, as hipóteses descritas no artigo 167, inciso II da Lei de Registros Públicos, referentes aos atos de averbação, são de natureza acessória e estão previstos em rol exemplificativo.
Ainda, foi considerado no exame do caso concreto o fato de que o contrato de comodato impunha, à comodatária, limitação ao domínio e assunção de obrigações e responsabilidades inerentes à figura do proprietário do imóvel.
Diante de tais argumentos, foi julgada positivamente a registrabilidade desse título, vejamos:
“...o comodato, ao conceder ao comodatário o direito de uso e gozo da coisa emprestada (arts. 579 a 585, Código Civil), tem potencial de repercutir nos direitos relativos ao imóvel e, assim, afetar interesse de terceiros, motivo pelo qual mostra-se justificada a averbação do contrato de comodato no fólio real. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de providências para afastar o óbice registrário e, consequentemente, determinar a averbação do título.”
A sentença mostra significativa mudança de paradigma para o setor imobiliário, ao respeitar a vontade privada das partes contratantes em ver seu contrato averbado na matrícula do imóvel e ao acolher a noção de que todos os atos que, por qualquer modo, repercutam nos direitos relativos ao imóvel4, merecem ser levados ao Registro de Imóveis tendo em vista a ampla publicidade e divulgação de informações, assegurando, no final do dia, segurança jurídica.
Por fim, importante ressaltar que está em aberto prazo para interposição de recurso.
¹ “Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos. II - a averbação: (...)”
² Prevê o item 76.3, Cap. XX, das NSCGJ, do TJSP: “O protesto contra alienação de bens, o arrendamento e o comodato são atos insuscetíveis de registro, admitindo-se a averbação do protesto contra alienação de bens diante de determinação judicial expressa do juiz do processo, consubstanciada em Mandado dirigido ao Oficial do Registro de Imóveis.”
³ "Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel".
4 Art. 246 da LRP, já citado.