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Pesquisa da Juit analisa 471 ações de concunhado, sogros e primos de vítimas de desastre ambiental em Brumadinho (MG)
Fonte: Valor Econômico
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) vêm analisando, desde o ano de 2015, pedidos de indenização de parentes indiretos e pessoas com vínculo afetivo com os trabalhadores mortos nos desastres ambientais de Mariana (MG) e Brumadinho (MG), ambos em minas da Vale.
Um levantamento da empresa especializada em jurimetria Juit, feito a pedido do Valor, mostrou que chegaram ao Judiciário pedidos desse tipo partindo de primos, tios, sobrinhos, cunhados, sogros, amigos, avós, namorados, sobrinhos-netos, irmãos, cônjuges e até um concunhado.
A pesquisa encontrou 474 decisões, sendo dez do TST e as demais do tribunal regional. Sobre o desastre de Mariana, ocorrido em 2015, foram apenas três. Mas para o de Brumadinho, que aconteceu no ano de 2019, foram 471. Isso porque as dimensões das duas tragédias foram diferentes. Quando a barragem de Fundão rompeu deixou 19 mortos em Mariana. Já o rompimento em Brumadinho provocou a morte de 272 pessoas.
Do total dos processos, a Juit destacou 113 para análise qualitativa, escolhidos por serem as decisões mais recentes. Foram encontrados 22 processos de primos, outros 20 de tios e 20 de sobrinhos, 13 de cunhados, e cinco de sogros, sobrinhos socioafetivos e amigos, entre outros vínculos que apareceram em menor quantidade.
A baixa incidência dos familiares diretos nesses processos, para o advogado da Juit, Victor Rodrigues Nascimento Vieira, sugere que “a maioria das ações envolvendo parentes próximos pode ter sido resolvida em primeira instância ou por acordos, não chegando às instâncias superiores”.
Segundo especialistas, a jurisprudência trabalhista tende a reconhecer que o núcleo básico da família, que inclui cônjuges, filhos e pais, tem dano em ricochete presumido e não precisa ser provado. O TST ainda entende que o vínculo entre irmãos se insere nessa categoria. Para os demais entes, sejam familiares ou não, a relação de proximidade deve ser comprovada.
Fernanda Maria Rossignolli, sócia do HRSA Sociedade de Advogados, destaca que as mudanças sociais das últimas décadas fizeram surgir novos arranjos familiares. "Isso exige uma visão mais ampla do que vem a ser núcleo familiar, para além de pai, mãe e filhos", diz.
Em um processo julgado pelo TRT-3 em junho de 2023, por exemplo, o tribunal reconheceu o direito à indenização de irmãos adotivos de um trabalhador que morreu no acidente de Brumadinho. Ele tinha sido adotado informalmente pela mãe biológica dos autores e criado como irmão em núcleo familiar único. Levando esses fatores em consideração, o TRT-3 arbitrou indenização de R$ 100 mil para cada irmão (processo no 0011417-28.2021.5.03.0026).
Para comprovação do vínculo, é comum que a Justiça exija alguns parâmetros mínimos, como depoimentos de testemunhas, registros de comunicação que demonstrem a convivência constante, além de contratos e contas que mostrem uma vida compartilhada e a dependência financeira, conforme aponta Alberto Nemer, advogado do escritório Da Luz, Rizk & Nemer.
“Esses critérios explicam por que parentes mais distantes enfrentam dificuldades adicionais para comprovar o vínculo necessário”, aponta o especialista.
Na amostra analisada, entre os familiares e amigos que tiveram seus pedidos atendidos, a menor indenização arbitrada foi de R$ 30 mil, para sobrinhos e primos, e a maior, de R$ 1 milhão, para uma viúva e um filho de um trabalhador desaparecido. Neste caso, o tribunal levou em conta que a ausência do corpo da vítima dificultou o processo de luto da família (processo no 0010080-88.2016.5.03.0184).
No caso da menor indenização, uma sentença de segundo grau tinha estipulado uma indenização de R$ 200 mil para o primo de um trabalhador morto em Brumadinho. A Corte superior, no entanto, entendeu que o nível de proximidade com a vítima não fazia jus ao montante, que foi reduzido (RR 10148-62.2021.5.03.0087).
Um pedido feito pelo concunhado de uma das vítimas, por outro lado, tinha sido negado em primeira instância. Ele alegou forte vínculo com o trabalhador, que era padrinho de sua filha. Na segunda instância, com base em laudos psicológicos e depoimentos de testemunhas, o TRT-3 deu ganho de causa para o reclamante e fixou indenização em R$ 50 mil (processo no 0010064-44.2021.5.03.0028).
Em relação ao valor das indenizações, Fernanda Maria Rosignolli lembra que a reforma trabalhista (Lei no 13.467/2017) previa critérios objetivos, como o valor do último salário do empregado e a intensidade do dano causado (leve, médio, grave ou gravíssimo). O Supremo Tribunal Federal, contudo, decidiu que o tabelamento, apesar de servir de parâmetro, não deve limitar as condenações por dano moral (ADI 6050, ADI 6069, ADI 6082).
A maior parte dos casos, 86 entre os 113 analisados, no entanto, não resultou em indenização para os parentes e conhecidos.
Segundo Ricardo Calcini, do Calcini Advogados, quanto mais distante do núcleo familiar o reclamante, mais importante a prova de intimidade emocional. Para ele, no entanto, o reconhecimento de indenizações a parentes mais distantes valoriza a reparação ao núcleo familiar. “Tal entendimento, com o tempo, construirá uma cultura de maior conscientização e responsabilidade empresarial em respeito aos direitos sociais e dos trabalhadores”, afirma.
Especialistas afirmam que, para evitar esse tipo de pedido, as empresas devem se prontificar a prestar apoio imediato aos familiares dos trabalhadores, em caso de acidentes. Elas podem, segundo Paulo Roberto Fogarolli Filho, do Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, criar "um canal direto sobre informações do acidente, mas também disponibilizar assistência psicossocial para que os familiares tenham apoio emocional".
Nemer também cita a criação de fundos de emergência para desastres e planos de resposta rápida e a implementação de políticas de compliance ambiental e social, com auditorias rigorosas, como medidas preventivas.
Procurada pelo Valor, a Vale afirmou que vem fazendo acordos com familiares dos trabalhadores, sob supervisão do Ministério Público do Trabalho, desde 2019. A pais, cônjuges ou companheiros, filhos, filhas e irmãos e irmãs dos trabalhadores, estão sendo pagos indenização por dano moral, e, exceto para os irmãos, seguro adicional por acidente de trabalho, individualmente. O núcleo de dependentes recebe uma indenização por dano material.
"Também é pago o auxílio creche no valor de R$ 920 mensais para filhos de trabalhadores falecidos com até 3 anos de idade, e auxílio educação no valor de R$ 998 mensais para filhos entre 3 e 25 anos de idade. Por fim, é concedido plano de saúde vitalício aos cônjuges ou companheiros(as) e aos(às) filhos(as) até 25 anos", detalha a empresa.
Segundo a Vale, foram firmados acordos com mais de 1,7 mil familiares e pagos mais de R$ 1,2 bilhão na Justiça do Trabalho.
Já a Samarco disse que “celebrou acordos e indenizou 13 núcleos familiares de 14 trabalhadores que foram vítimas fatais do rompimento da barragem de Fundão. As indenizações totalizaram cerca de R$ 28,6 milhões na Justiça do Trabalho”.
“A empresa segue em contato com os familiares e seus advogados nos casos que ainda não foram concluídos, buscando a conciliação e o cumprimento das decisões judiciais”, disse em nota.