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Do risco ao reconhecimento: Mudança na jurisprudência trabalhista fortalece o cooperativismo e dá segurança a setores onde ele é essencial, como home care, clínicas e hospitais

publicado em 10/04/2025 10:35

Fonte: Migalhas

O modelo cooperativista tem se consolidado como alternativa segura, especialmente no setor de saúde, com a mudança jurisprudencial que garante maior previsibilidade jurídica.


Nos últimos anos, decisões judiciais têm sinalizado uma mudança significativa na forma como o modelo cooperativista é tratado pela Justiça do Trabalho, notadamente em processos que envolvem pedido de reconhecimento de vínculo empregatício formulado por cooperados contra cooperativas ou tomadoras de serviço (ou ambas, simultaneamente).

Essa transformação representa uma oportunidade estratégica para o setor de saúde - especialmente para empresas de home care, clínicas e hospitais - que frequentemente contratam cooperativas para a prestação de serviços. Com o novo direcionamento jurisprudencial, essas empresas passam a contar com maior respaldo jurídico para estruturar suas operações com mais segurança e previsibilidade.

Historicamente, o modelo cooperativista enfrentou grande resistência na Justiça do Trabalho. Por muitos anos, prevaleceu a presunção de que as cooperativas eram utilizadas, em grande parte, para disfarçar relações de emprego, o que motivava o reconhecimento automático do vínculo empregatício, mesmo sem a análise aprofundada das condições da relação de trabalho.

Um dos primeiros pontos de controvérsia era a própria competência da Justiça do Trabalho para julgar tais ações. Apesar de a lei geral das cooperativas (leis Federais 5.764/1971 e 12.690/12) definir expressamente a relação entre cooperativa e cooperado como de natureza cível e societária, a interpretação majoritária da jurisprudência, com base no art. 114, inciso I, da CF/88 (alterado pela EC 45/04), reconhecia a competência da Justiça do Trabalho para julgar essas demandas.

Exceções ocorriam, em geral, nos casos em que a demanda se limitava à cobrança de valores decorrentes da relação entre o cooperado e a cooperativa, sem a solicitação de reconhecimento de vínculo empregatício. Nesses casos, a Justiça do Trabalho declinava a competência para a Justiça Comum. No entanto, na maioria das ações em que havia pedido de vínculo empregatício, a Justiça do Trabalho mantinha sua competência.

Como consequência, era comum a prolação de diversas sentenças trabalhistas reconhecendo vínculo empregatício tanto em relação à cooperativa quanto às empresas tomadoras de serviços (ou mesmo com ambas, simultaneamente), até mesmo em ações em que sequer havia qualquer questionamento ou mesmo pedido de nulidade do contrato de associação com a cooperativa por parte do reclamante cooperado. 

Esse cenário sempre gerou um alto grau de insegurança jurídica para as empresas que mantêm contratos com as cooperativas, agravado ainda por alguns fatores:

De um lado, as cooperativas, em especial, enfrentavam uma imagem negativa no Judiciário trabalhista, resultado do grande volume de reclamações julgadas procedentes - essa percepção, é preciso reconhecer, não surgiu sem fundamento, pois, de fato, ao longo dos anos, inúmeras cooperativas revelaram-se irregulares, existindo apenas formalmente e operando como meras intermediárias de mão de obra, com objetivo de camuflar vínculos empregatícios.

De outro lado, a aplicação da súmula 331, III, do TST prevalecia sobre a lei do cooperativismo, consolidando o entendimento de que a atuação de um trabalhador terceirizado na chamada "atividade-fim" da organização gerava automaticamente o reconhecimento do vínculo empregatício.

Esse posicionamento frequentemente resultava na anulação quase automática dos contratos de associação às cooperativas, sem uma análise aprofundada. Em muitos casos, bastava que o julgador identificasse que o cooperado desempenhava funções essenciais ao negócio da empresa contratante ou mesmo da cooperativa para que a Justiça do Trabalho reconhecesse o vínculo de emprego, sem verificar de forma criteriosa se todos os requisitos da relação empregatícia estavam efetivamente presentes.

Com isso, o modelo cooperativista era desconsiderado, ignorando-se a regulamentação específica das cooperativas, a autonomia da vontade das partes envolvidas, e a validade dessa estrutura de trabalho. 

Por sua vez, tanto cooperativas regulares quanto fraudulentas eram, em geral, tratadas da mesma forma, sendo presumidamente tipificadas como fraudulentas até que se provasse o contrário. Essa prática resultava na fragilização do modelo cooperativista, alimentando uma visão, muitas vezes, generalista e estereotipada, que desconsiderava suas particularidades e impunha riscos significativos tanto para as empresas contratantes, quanto para as próprias cooperativas que atuavam de forma legítima.

Nos últimos anos, no entanto, esse paradigma começou a mudar.

Inicialmente, o movimento de mudança foi impulsionado pela edição da lei da terceirização (lei 13.429/17) e da reforma trabalhista (lei 13.467/17), que passaram a conferir maior liberdade na organização das relações de trabalho. Esse processo de evolução normativa foi posteriormente consolidado por importantes decisões do STF, que reafirmaram a legitimidade de modelos de trabalho alternativos ao vínculo empregatício tradicional.

 O STF, no julgamento da ADPF 324 e do RE 958.252, por exemplo, fixou a tese de que é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas (Tema 725) de modo que, a partir de então, a mera atuação do trabalhador na atividade-fim da organização não configuraria, por si só, vínculo empregatício, o que reforçou a necessidade, por parte dos julgadores, de realizar um exame mais criterioso das relações de trabalho.

Com isso, especialmente nas ações que envolvem pedido de reconhecimento de vínculo empregatício por cooperados, afastou-se a aplicação automática da súmula 331, III, do TST, adotando-se uma análise mais individualizada, de exame, caso a caso, sobre a existência ou não dos elementos caracterizadores da relação de emprego, bem como o cumprimento dos requisitos do cooperativismo.

A lei da liberdade econômica (lei 13.874/19) trouxe, por sua vez, novos contornos à questão ao reforçar a validade dos acordos firmados entre as partes e a importância do reconhecimento da autonomia contratual e a tutela da boa-fé nas relações contratuais. Com base nesse marco legal, por consequência, teve-se reforçada a necessidade de observância dos requisitos estabelecidos na lei do cooperativismo, especialmente em seu art. 1º, §2º, que determina que "todas as normas de ordenação pública sobre atividades econômicas privadas devem ser interpretadas em favor da liberdade econômica, da boa-fé e do respeito aos contratos, aos investimentos e à propriedade".

Essa valorização da autonomia contratual e da liberdade de organização nas relações de trabalho tem sido acompanhada, na esfera judicial, por uma mudança de postura relevante por parte do STF. Em muitos casos em que houve o reconhecimento do vínculo empregatício com cooperados, empresas tomadoras de serviços ou as próprias cooperativas têm recorrido ao STF por meio de reclamações constitucionais, alegando o descumprimento de precedentes da Corte, os quais se posicionam justamente no sentido de validar a legitimidade de outras formas de trabalho - além das relações empregatícias típicas previstas na CLT - e de resguardar a autonomia da vontade das partes nas relações contratuais.

Muitas dessas reclamações constitucionais têm sido acolhidas com sucesso: o STF, em diversas ocasiões, tem cassado decisões que reconheceram o vínculo empregatício, determinando o retorno dos autos ao juízo de origem para que seja proferida nova sentença em conformidade com sua jurisprudência. Em outras situações, a Corte tem analisado diretamente o mérito e afastado, de imediato, o vínculo trabalhista.

Exemplo disso é a recente decisão proferida pelo ministro Dias Toffoli na reclamação constitucional 76.752/SP, na qual o STF reformou acórdão do TRT - 2 que havia reconhecido vínculo de emprego entre uma técnica de enfermagem cooperada e a empresa tomadora de serviços, mesmo havendo intermediação por cooperativa regularmente constituída. 

A Corte entendeu que o TRT desconsiderou precedentes vinculantes ao afastar o contrato de natureza civil sem apresentar elementos concretos de fraude, contrariando o entendimento firmado na ADPF 324, no RE 958.252 (Tema 725) e em outros julgados que reconhecem a licitude de formas alternativas de organização do trabalho. 

Nesse contexto, o STF reafirmou que a proteção constitucional ao trabalho não exige que toda prestação de serviços configure vínculo empregatício, especialmente quando as partes atuam com autonomia e dentro dos limites legais, reforçando a segurança jurídica de contratos firmados com cooperativas.

Outro reflexo relevante da mudança de entendimento da jurisprudência trabalhista em relação ao modelo cooperativista é que a própria Justiça do Trabalho passou, em diversos casos, a declinar de sua competência, permitindo que a Justiça Comum análise, em um primeiro momento, a validade do contrato de associação entre o cooperado e a cooperativa.

Diversas decisões recentes da Justiça do Trabalho têm reconhecido a natureza civil e societária da relação entre o cooperado e a cooperativa, estabelecendo que a análise preliminar sobre a validade do contrato de associação e a eventual existência de fraude deve ser realizada pela Justiça Comum, sendo admitido o prosseguimento da demanda na Justiça do Trabalho apenas se, após esse exame inicial, forem constatados elementos que descaracterizem a relação cooperativista e indiquem a presença de vínculo empregatício.

A declaração de incompetência da Justiça do Trabalho para julgar ações envolvendo cooperados tem ocorrido nos processos trabalhistas tanto por provocação das partes, quanto de ofício, ambas hipóteses previstas no ordenamento jurídico.

Em algumas ocasiões, os próprios magistrados têm reconhecido a necessidade de remeter os processos à Justiça Comum, sem que haja um pedido expresso das partes. 

Um exemplo recente desse posicionamento foi registrado em julgado proferido pelo TRT-2, no qual a incompetência material da Justiça do Trabalho foi reconhecida de ofício pela 17ª turma julgadora, determinando-se a remessa dos autos à Justiça Comum, para análise da validade da relação cooperativa antes de qualquer discussão sobre eventual vínculo empregatício. (TRT/SP - recurso ordinário 1001736-31.2022.5.02.0601, 17ª turma, relator: Homero Batista Mateus da Silva, julgado em 21/2/25).

No caso em questão, a ação havia sido ajuizada por um cooperado que prestava serviços como profissional "técnico de enfermagem" e postulava o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa tomadora de serviços da cooperativa, em favor de quem atuou.

O acórdão ressaltou que a relação entre cooperado e cooperativa possui características próprias, regidas pela citada lei Federal 12.690/12, a qual não pode ser desconsiderada. Além disso, fez referência ao entendimento seguido pelo STF, no sentido de que a análise da validade da relação civil ou comercial, particularmente em contratos de cooperativa, deve ser realizada pela Justiça Comum e não pela Justiça do Trabalho, devendo ser priorizado, inicialmente, verificar a regularidade do contrato de associação, tarefa atribuída à competência da Justiça Comum.

Em outro caso semelhante, o juízo do trabalho da 3ª vara de Santo André também reconheceu a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar ações envolvendo pedido de reconhecimento de vínculo empregatício por cooperado, argumentando que a relação entre o cooperado e a cooperativa possui natureza societária e civil, não sendo adequada para a análise no âmbito da Justiça do Trabalho, citando ainda outros precedentes nessa linha no âmbito do TST e TRT 2ª região (processo 1001026-96.2023.5.02.0432, 3ª vara do Trabalho de Santo André, juíza do Trabalho: Rose Mary Copazzi Martins. Decisão proferida em 25/9/23).

Em outra decisão, o juízo do trabalho da 28ª vara do Trabalho de São Paulo também declinou da competência da Justiça do Trabalho, seguindo da mesma maneira a linha de que a relação entre o cooperado e a cooperativa tem natureza autônoma e civil, e não trabalhista (processo 1000385-25.2024.5.02.0028, 28ª vara do Trabalho de São Paulo. juiz do Trabalho: Flavio Bretas Soares. Decisão proferida em 2/5/24).

O magistrado, com base no entendimento fixado pelo STF e no Tema 725, destacou que a análise da validade de contratos de natureza civil deve ser realizada pela Justiça Comum e não pela Justiça do Trabalho.

A decisão ressaltou ainda que, mesmo reconhecendo a possível existência de vícios de consentimento ou situações específicas que possam afetar a validade do contrato, a competência para a análise dessa relação é da Justiça Comum, reconhecendo, na sequência, a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho para julgar a ação e determinando a remessa dos autos à Justiça Comum Estadual para apreciação da matéria.

De modo geral, observa-se que muito embora o empregado celetista ainda seja tratado como "hiper protegido" do ponto de vista dos direitos sociais trabalhistas decorrentes da relação empregatícia, a Justiça do Trabalho tem avançado no reconhecimento de que o modelo normativo brasileiro ampara outras formas de trabalho, além das tradicionais relações empregatícias, as quais também geram renda, sustentam famílias, movimentam o mercado e a economia, e já estão, inclusive regulamentadas - como ocorre com as cooperativas -  devendo ser incentivadas. 

O STF, por exemplo, nas decisões proferidas na ADPF 324, ADC 48, ADIn 3.961 e ADIn 5.625, consolidou o entendimento de que são lícitas outras formas de relação de trabalho, além do vínculo empregatício regido pela CLT. 

Na mesma linha, destaca-se o voto do ministro Roberto Barroso no julgamento do RE 58.285 (6/12/22), que reafirma a validade e a legitimidade de outras formas de trabalho, além das típicas relações empregatícias previstas na CLT. O ministro ressaltou que o contrato de emprego não é a única forma legítima de estabelecer relações de trabalho, reconhecendo a licitude da terceirização de mão de obra, das parcerias, das sociedades e da prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato reflita uma relação real e não um vínculo empregatício disfarçado. Observe-se:

"Considero, portanto, que o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho. Um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade ou maior autonomia. Desse modo, são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, pareceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação."

É certo que todas essas mudanças - legislativas, jurisprudenciais e processuais - representam, de forma integrada, um avanço significativo para as empresas do setor de saúde, na medida em que promovem um exame mais técnico e criterioso do modelo cooperativista, afastando prejulgamentos que historicamente comprometiam sua legitimidade e dificultavam sua adoção como alternativa lícita e funcional nas relações de trabalho.

Além disso, no âmbito da Justiça Comum, a relação do cooperado com a cooperativa é examinada de forma mais objetiva, com foco na validade de sua associação, sem que a análise seja conduzida predominantemente sob a ótica da hipossuficiência do trabalhador, como frequentemente ocorre na Justiça do Trabalho.

Essas mudanças normativas e de entendimento jurisprudencial passaram a fortalecer a segurança jurídica do modelo cooperativista, permitindo que cooperativas regulares não fossem equiparadas automaticamente às fraudulentas e tivessem oportunidades reais de ter sua legitimidade reconhecida nos processos trabalhistas, conquanto atestassem atuar em conformidade com a legislação vigente.

É indiscutível que o combate às cooperativas fraudulentas deve permanecer como prioridade para evitar a precarização dos direitos trabalhistas. No entanto, é igualmente fundamental que a análise das formas alternativas de organização do trabalho, não seja conduzida de maneira estereotipada. A avaliação deve observar as diretrizes normativas que regem o modelo cooperativista, garantindo o respeito à autonomia e à liberdade de associação das partes envolvidas, sem presunções automáticas de irregularidade.

Uma vez constatada a vontade livre e esclarecida das partes, especialmente quanto aos seus direitos e à liberdade de se associar, essa autonomia deve ser devidamente respeitada, pois esse direcionamento não apenas contribui para o fortalecimento de novas formas de trabalho, mas também para a segurança jurídica de diversos setores que utilizam o modelo, promovendo um ambiente mais equilibrado e seguro para as cooperativas que atuam de acordo com a legislação vigente e empresas contratantes desses entes cooperados. 

Conclusão

A evolução jurisprudencial e legislativa observada nos últimos anos tem consolidado uma mudança significativa na forma como o modelo cooperativista é interpretado e tratado no ordenamento jurídico brasileiro. O afastamento de decisões baseadas em presunções generalizadas e o fortalecimento de uma análise mais técnica e contextualizada têm contribuído para legitimar formas alternativas de organização do trabalho - entre elas, o cooperativismo.

Essa transformação assegura maior previsibilidade e segurança para as empresas de saúde que optam pela contratação de serviços especializados prestados pela cooperativa em sua operação comercial, garantindo que apenas cooperativas fraudulentas sejam combatidas, sem prejudicar aquelas que atuam dentro da legalidade. Com isso, home care, clínicas e hospitais ganham um ambiente mais estável para estruturar suas contratações, evitando riscos desnecessários e fortalecendo a autonomia do sistema cooperativista como um modelo viável e juridicamente seguro.

Diante desse cenário, é fundamental que as empresas do setor de saúde acompanhem atentamente a evolução jurisprudencial e contem com assessoria jurídica especializada para garantir que seus contratos estejam devidamente alinhados com o entendimento atual, minimizando riscos de litígios indevidos.

Com esse novo direcionamento reconhecido pela jurisprudência, o modelo cooperativista tem a oportunidade de se consolidar como uma alternativa viável, sustentável e juridicamente segura, em plena conformidade com a legislação vigente.
 

 
por

Luciana Guerra Fogarolli

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