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Fonte: Valor Econômico
O governo do Estado de São Paulo anunciou, em 2024, os planos para iniciar a transferência de sua sede administrativa para a região central da capital paulista, com estimativa inicial de desapropriar 230 imóveis localizados no bairro de Campos Elíseos. Também no último ano, a Prefeitura de São Paulo publicou decretos que declararam de utilidade pública dezenas de áreas verdes particulares, seja para criação de parques, seja para sua transformação em áreas de preservação ambiental.
Esses são apenas dois exemplos, dentre as inúmeras políticas públicas que imporão a perda da propriedade a milhares de pessoas físicas e jurídicas (doravante “expropriados”) nos próximos anos, o que apenas reforça a relevância desse tema e traz à tona a necessidade de uma breve reflexão sobre a necessária recomposição do patrimônio do desapropriado.
Isso porque se, por um lado, é atribuída a prerrogativa extraordinária ao Poder Público, em razão de seu poder de império, de sacrificar o direito individual de propriedade para promover obras em benefício de toda a sociedade, por outro lado, o expropriado deve ter seu patrimônio integralmente recomposto.
O “espírito” do artigo 15, bem como do caput e do §2º do artigo 33 do Decreto-Lei nº 3.365/41 (a norma que regulamenta a Desapropriação) é garantir, na medida do possível, que o expropriado submetido ao processo de desapropriação tenha acesso à indenização prévia e justa, como veio a preconizar, posteriormente, o inciso XXIV, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
E aqui está a maior causa da judicialização do litígio (ressalte-se que é possível a fixação da indenização de forma amigável, sem que seja ajuizada Ação de Desapropriação) e, por vezes, do prolongamento da discussão por anos.
Em grande parte das vezes, o Poder Público apresenta oferta para a desapropriação do imóvel que corresponde, se muito, ao valor venal do imóvel, que, em regra, não atende a garantia constitucional da justa indenização, uma vez que não recompõe o valor de mercado do bem desapropriado, muito menos outros danos porventura sofridos, decorrentes do ato de império. Raros são os casos, inclusive, em que o Poder Público produz e apresenta Laudo de Avaliação elaborado de acordo com as normas técnicas.
A pedra angular para a apuração da justa indenização é a imposição de que o expropriado permaneça indene, ou seja, seu patrimônio deve ser reconduzido integralmente ao seu estado anterior. Os únicos danos, a rigor (nem sempre o Poder Judiciário adota esse entendimento), que não podem ser cobrados na própria Ação de Desapropriação são aqueles sofridos por terceiros (por exemplo, locatários), nos termos do artigo 26 do Decreto-Lei nº 3.365/41.
Nesse sentido, a justa indenização abrange o valor real do bem expropriado (vale dizer, o seu valor de mercado), inclusive todas as acessões e benfeitorias (por exemplo, construções, plantações etc.) existentes à época da edição do decreto expropriatório de utilidade pública (mas, em regra, avaliados na data da produção do Laudo Pericial, se ajuizada a Ação de Desapropriação).
A apuração do valor de mercado exige mais do que uma análise “fria” de elementos comparativos congêneres. É preciso identificar o uso economicamente mais adequado em razão das características intrínsecas do imóvel e do seu entorno, respeitadas as limitações legais. Em outras palavras, na avaliação do bem, deve ser considerado o potencial exercício de atividade comercial ou industrial no local, sobretudo porque repercute na definição do seu efetivo valor de mercado.
Em razão disso, imóveis vocacionados ao desenvolvimento, exemplificativamente, de empreendimentos imobiliários, em decorrência de suas dimensões e localização, independentemente de terem ou não o projeto em curso ou já aprovado nos órgãos públicos, devem ser avaliados levando em conta essas características. Logicamente que o estágio do projeto influenciará no valor de mercado: quanto mais avançado, maior será o acréscimo ao valor do imóvel.
Isso porque um imóvel nessas condições, em situações normais de mercado, teria valor superior àqueles que não possuem essas mesmas características, pois o uso econômico, ainda que potencial, valoriza-o em relação aos demais.
Todos os investimentos promovidos no imóvel desapropriado e que foram perdidos diretamente em razão da desapropriação também devem ser recompostos. Desse modo, a justa indenização pressupõe a apuração do valor real dos danos emergentes e dos lucros cessantes, para garantir que, além dos prejuízos imediatos e mensuráveis, tal como o fundo de comércio, tudo aquilo que o expropriado razoavelmente deixou de lucrar igualmente seja ressarcido pelo Poder Público expropriante, bem como a desvalorização da área remanescente, na hipótese de desapropriação parcial do bem.
Como já se disse, contudo, o Poder Expropriante usualmente ignora essas particularidades para a aferição do valor que oferta para a desapropriação. Desse modo, cabe ao expropriado, assim que tomar ciência do processo desapropriatório, cercar-se de bons profissionais e buscar produzir todas as provas indispensáveis para demonstrar os efetivos danos que lhe serão impostos, para evitar o aminguamento da quantia devida, em prejuízo da recomposição do seu patrimônio.