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Judiciário usa norma da OIT para enquadrar mais casos como assédio

publicado em 05/06/2025 11:27

Fonte: Valor Econômico 

Pesquisa realizada na FGV, com base em 651 decisões de tribunais regionais do trabalho, revela que 21 delas ampliam o conceito brasileiro.

Apesar de o Brasil ainda não fazer parte da convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº 190 — que busca eliminar a violência e o assédio no mundo do trabalho —, o Judiciário brasileiro tem, cada vez mais, mencionado o documento em decisões trabalhistas. Em ao menos 21 de 651 acórdãos proferidos por tribunais regionais do trabalho (TRTs), a norma da OIT foi usada para enquadrar mais situações como assédio moral ou sexual no trabalho, segundo a pesquisa “Impactos da Convenção nº 190 da OIT no direito brasileiro”.

De autoria do Grupo de Pesquisa Trabalho e Desenvolvimento (GPTD) da Fundação Getulio Vargas (FGV), esse levantamento conclui que no ano de 2019, quando a convenção da OIT foi promulgada, 14 decisões judiciais no país a citaram. Já em 2023, ao começar o processo de ratificação, o volume de acórdãos mencionando a norma subiu para 276. No ano passado, foram mais 396 menções pela segunda instância trabalhista.

O Congresso ainda analisa a ratificação da convenção. Se isso ocorrer, na prática, a norma se tornará, para o país, uma obrigação internacional. Atualmente, a ratificação tramita na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

Os precedentes judiciais que citam a convenção se concentram, majoritariamente, nos TRTs do Rio Grande do Sul, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Paraná — Estados que concentram dois terços das decisões analisadas. No Tribunal Superior do Trabalho (TST), há apenas oito decisões, mas o estudo explica que, em sede de recurso de revista, a possibilidade de citar fundamentos não abordados nas instâncias inferiores é bastante limitada.

Na maioria dos casos, as decisões analisadas mencionam a convenção, mas essa menção não interfere para ampliar a caracterização da violência no processo. Um dos 21 casos em que a norma da OIT teve relação direta com a expansão conceitual de assédio é do TRT do Rio Grande do Sul. A Corte gaúcha reconheceu como assédio moral a ameaça de demissão na presença de outros empregados (processo nº 0020884-70.2022.5.04.0025).

Segundo Olívia Pasqualeto, coordenadora da pesquisa, essa expansão do conceito é uma das formas mais significativas pelas quais a adoção da Convenção 190 está influenciando o Direito brasileiro. No Brasil, o assédio sexual é tipificado no artigo 216-A do Código Penal. Mas o assédio moral não tem previsão legal específica e é definido, na maioria das vezes, pela doutrina e jurisprudência.

“A adoção dos critérios trazidos pela Convenção 190 mostra que existe uma espécie de lacuna no Direito trabalhista, e evidencia que falta essa definição nas normas internas do país”, afirma.

Em outro caso levantado no estudo, a Convenção 190 foi usada para configuração de assédio sexual a partir de um único ato grave, dispensando o requisito de reiteração da conduta, que é amplamente debatido na doutrina e na jurisprudência. No episódio, um colega deu um tapa nas nádegas de outra trabalhadora, o que, segundo o TRT de Campinas (SP), é suficiente para reconhecimento do dano extrapatrimonial (processo nº 0010075-72.2023.5.15.0124).

Luciana Guerra Fogarolli, advogada trabalhista do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, destaca que essa perspectiva mais ampla trazida pela convenção pode mudar a forma como o assédio moral é tratado na jurisprudência. “Se a convenção for ratificada e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, poderá influenciar uma reinterpretação da prática do assédio moral, abrindo espaço para que condutas isoladas, mas gravemente lesivas, também sejam enquadradas no seu conceito”, diz.

De acordo com a pesquisa, uma das principais inovações da convenção foi reconhecer que o assédio moral pode ser direcionado a trabalhadores independentemente da natureza jurídica do contrato. Incluem-se, portanto, estagiários e aprendizes, voluntários, candidatos e ex-trabalhadores, ou qualquer pessoa que exerça função de empregador nos setores público e privado, na economia formal e informal, em áreas urbanas e rurais.

“A ratificação pode influenciar uma reinterpretação da prática do assédio.”

— Luciana G. Fogarolli

Nesse sentido, o grupo de trabalho destacou um acórdão que reconheceu o assédio moral praticado contra um estagiário, que não tem vínculo de emprego, mas educacional. Com base na Convenção 190, o TRT do Rio Grande do Sul entendeu que esse tipo de relação também enseja o respeito aos princípios da dignidade e da saúde no ambiente de trabalho (processo nº 0020331-46.2022.5.04.0373).

Segundo Olívia, essas especificações “tiram um pouco da dificuldade de enquadramento das práticas de assédio e violência que são difíceis de ser identificadas”. “Se a convenção for mesmo ratificada, esse escopo vai ser ampliado, que é algo a que não estamos muito acostumados no Direito brasileiro, mas será uma consequência possível.”

Por fim, a Convenção da OIT também embasou um acórdão do TRT do Mato Grosso do Sul, que manteve a demissão por justa causa de um empregado por ato obsceno feito no alojamento fornecido pelo empregador. Em conformidade com a convenção, os magistrados entenderam que o alojamento era um prolongamento do ambiente de trabalho (processo nº 0024417-71.2023.5.24.0081).

Esse entendimento reflete a ampliação do conceito de meio ambiente do trabalho trazida pela convenção da OIT. Ela abrange deslocamentos, viagens, treinamentos, eventos ou atividades sociais relacionadas ao trabalho, bem como comunicações relacionadas ao trabalho e facilitadas pela tecnologia da informação, em alojamentos e durante o trajeto casa-trabalho.

Apesar das inovações, o estudo pondera que a adoção dos conceitos da convenção ainda é tímida diante do volume de processos trabalhistas. Só em 2024, segundo o TST, foram mais de 4 milhões de ações — o maior volume em 15 anos.

Especialistas em Direito do Trabalho ressaltam que a adoção de conceitos de normas internacionais não é comum na prática judicial brasileira. Luciana Fogarolli explica que essa incorporação costuma ocorrer como reforço argumentativo nas decisões, “desde que os instrumentos sejam compatíveis com os princípios constitucionais e sem contrariar o ordenamento jurídico vigente”.

Para Maria Fernanda Redi, sócia do HRSA Sociedade de Advogados, mesmo que a convenção não venha a ser ratificada, as decisões ainda se sustentam. “A não ratificação seria uma perda de oportunidade de comprometer o Brasil com as iniciativas educacionais e informativas da convenção que visam à prevenção, porque, na perspectiva da repressão jurídica, penal e indenizatória, a legislação brasileira já está bastante avançada”, diz.

por

Luciana Guerra Fogarolli

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