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Fonte: Migalhas
A produção antecipada de provas, prevista no art. 381 do CPC, tem ocupado posição de destaque na estratégia processual de empresas e seus departamentos jurídicos. Trata-se de uma ação autônoma, de natureza satisfativa, que visa não apenas à preservação de elementos probatórios, mas também à formação de convicção sobre a conveniência de ajuizar ou não uma futura demanda, ou ainda à viabilização de acordo entre as partes, conforme previsão dos incisos II e III do caput.
A dúvida que se apresenta na prática - e que tem provocado debates doutrinários e jurisprudenciais - é se, havendo cláusula compromissória arbitral no contrato subjacente às provas pretendidas, a produção antecipada deve necessariamente ser submetida ao juízo arbitral, ainda que não haja litígio instaurado e não se alegue urgência na medida.
Essa questão foi recentemente enfrentada pelo STJ no julgamento do REsp 2.023.615/SP, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze. Naquele caso, a Corte Superior entendeu que, quando não houver situação de urgência, a existência de convenção arbitral válida e eficaz impede o acesso à jurisdição estatal para a produção antecipada de provas, ainda que o pedido seja formulado antes da instauração da arbitragem, uma vez que, segundo a lógica adotada pelo STJ, ao pactuarem a arbitragem como forma exclusiva de solução de conflitos, as partes renunciaram à jurisdição estatal para todas as controvérsias decorrentes da relação contratual, inclusive quanto a medidas probatórias autônomas.
Contudo, o próprio acórdão ressalva expressamente que situações de urgência podem justificar o ingresso da parte no Judiciário, mesmo diante da cláusula arbitral. Essa ressalva encontra amparo no art. 22-A da lei de arbitragem, que atribui ao Poder Judiciário a competência subsidiária para apreciação de medidas de urgência antes da constituição do tribunal arbitral, o que se aplica perfeitamente à produção antecipada de prova em que há risco de perecimento ou indisponibilidade do elemento probatório.
A produção antecipada de provas com urgência - por exemplo, diante de risco de desaparecimento de documento, degradação de local ou perda da memória de testemunha - é, há muito, admitida como hipótese legítima de intervenção estatal mesmo em relações submetidas à arbitragem. Trata-se de hipótese clara de cooperação entre jurisdições, permitindo que o Judiciário atue de forma instrumental à futura arbitragem.
A novidade está na ponderação quanto à produção antecipada de provas sem urgência - ou seja, aquelas propostas com o objetivo de formação de juízo prévio sobre eventual propositura de ação ou de facilitação da autocomposição. Nesses casos, a dúvida recai sobre a existência ou não de um "conflito" capaz de atrair a competência arbitral.
A posição firmada no REsp 2.023.615/SP assume que a cláusula compromissória se aplica mesmo quando não há litígio instaurado e entende que a simples existência de uma divergência potencial seria suficiente para deslocar a competência à arbitragem. No entanto, é possível - e necessário - aprofundar a análise à luz da própria lógica do novo CPC e do real alcance da cláusula compromissória.
O art. 381 do CPC, ao prever expressamente a possibilidade de produção de prova com o objetivo de prevenir litígios ou de viabilizar acordo, reconhece que a medida pode ser utilizada antes mesmo da configuração de uma controvérsia jurídica. Ou seja, a ação de produção antecipada de provas não pressupõe lide - razão pela qual, por si só, não deve ser tratada como compulsoriamente vinculada ao juízo arbitral.
Na prática, exigir a instauração de arbitragem exclusivamente para produção de provas pode representar solução antieconômica, desproporcional e que contraria uma das finalidades da própria cláusula compromissória, que é conferir celeridade e eficiência à resolução de conflitos.
A arbitragem foi desenhada para resolver litígios; se não há litígio e se a prova visa à composição ou à avaliação da existência de um conflito, não há razão para compelir a parte à instauração de um procedimento arbitral custoso e complexo, a menos que a cláusula compromissória contemple expressamente essa produção antecipada de provas.
Com o objetivo de lidar com essas questões práticas, algumas câmaras de arbitragem brasileiras têm introduzido mecanismos expeditos para a produção antecipada de provas no próprio ambiente arbitral. É o caso da AMCHAM Brasil e da CAM-CCBC que já contam com procedimentos específicos para produção de provas, inclusive por meio de árbitro de emergência.
Embora úteis e bem-vindos, tais procedimentos não têm força vinculante automática e não substituem o direito fundamental de acesso à jurisdição estatal, especialmente nos casos em que a cláusula compromissória é redigida de forma genérica, sem menção expressa a medidas preparatórias ou não contenciosas.
Seja como for, o fato é que a decisão do STJ no REsp 2.023.615/SP sinaliza o reforço à força vinculante da cláusula compromissória arbitral, inclusive para medidas autônomas como a produção antecipada de provas, o que, porém, não encerra o debate quanto à legitimidade da via estatal na ausência de litígio e de urgência, quando a medida não configura propriamente uma controvérsia, mas sim um instrumento preparatório ou, especialmente, de prevenção de litígios. A divergência doutrinária sobre o tema, com relevantes vozes de lado a lado, é uma evidência de que ainda não se alcançou o desejável consenso minimamente seguro.
De todo modo, à luz da CF/88, do CPC/15 e da lei de arbitragem, é possível sustentar que, na ausência de litígio e de urgência, a ação de produção antecipada de provas continua sendo cabível perante o Poder Judiciário, quando sua finalidade for apenas elucidar fatos, preservar elementos de convicção ou viabilizar a composição.
Na prática, a estratégia de atuação sempre deve ser desenhada a partir da análise do caso concreto, especialmente, da extensão da cláusula compromissória e do objetivo da prova a ser produzida, uma vez que a definição da conduta correta na fase pré-contenciosa pode ser determinante não apenas para o êxito processual, mas também para a adequada tomada de decisão em cenários complexos de risco.