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Fonte: Correio Braziliense
Tecnologia utiliza polímeros extraídos de embalagens pós-consumo para reforçar a liga asfáltica, aumentando sua durabilidade e reduzindo a necessidade de manutenção.
O caminho entre um saco plástico descartado no lixo e o asfalto de uma rodovia pode ser mais curto do que se imagina. No Brasil, projetos que incorporam resíduos plásticos à pavimentação começam a ganhar escala, oferecendo benefícios ambientais, econômicos e técnicos, como mostram as últimas reportagens da série do Correio Caminhos de Plástico. A tecnologia utiliza polímeros extraídos de embalagens pós-consumo para reforçar a liga asfáltica, aumentando sua durabilidade e reduzindo a necessidade de manutenção.
O que começa como uma sacola plástica descartada na cozinha de uma casa do Jardim Botânico ou do Itapoã, no Distrito Federal, pode acabar pavimentando estradas e rodovias. Essa é a trajetória que o plástico reciclado vem ganhando no Brasil, onde cooperativas de catadores, como a Recicla Mais Brasil, localizada no Paranoá, têm se tornado peças-chave para transformar resíduos em insumos valiosos para a indústria — inclusive para a produção de asfaltos mais sustentáveis.
A presidente da Associação Recicla Mais Brasil, Núbia Rodrigues, explica que o processo começa com a coleta seletiva, feita por caminhões da própria cooperativa. "Temos contratos com o governo e também com condomínios particulares. Nosso caminhão recolhe o material e traz para o galpão, onde as equipes fazem a separação por tipo e cor. Isso garante um resíduo muito mais puro e valorizado", diz. Segundo ela, essa triagem detalhada é essencial para atender à demanda da indústria por matéria-prima de qualidade.
Núbia explica que a coleta seletiva de qualidade é um dos pilares para que esse processo funcione. "O material que coletamos vem limpo e bem separado, porque fazemos a triagem por tipo e cor. Isso garante que o plástico chegue à indústria em condições de ser transformado em insumos de alto valor, como os usados em asfaltos modificados", diz.
Hoje, parte significativa do plástico coletado segue para empresas de reciclagem em estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Lá, o material pode ser transformado em embalagens, telhas, rodapés, peças para impressoras 3D e, cada vez mais, em um ingrediente estratégico para o chamado "asfalto ecológico". Esse tipo de pavimentação utiliza polímeros extraídos do plástico reciclado para aumentar a durabilidade do piso e reduzir a necessidade de manutenção, além de dar destino a resíduos que poderiam acabar em aterros ou rios.
A gestora administrativa e financeira da cooperativa, Tainara Oliveira, lembra que nem todo tipo de plástico tem mercado garantido, mas que a demanda por PET e plásticos duros cresce, inclusive na cadeia da infraestrutura viária. "A PET é a mais valorizada. Quando bem separada por cor, mantém preço alto. O plástico de produto de limpeza também é muito requisitado. E há setores que já procuram esses materiais para uso em tecnologias novas, como asfaltos modificados", afirma.
Essa integração entre reciclagem e transporte sustentável também é defendida pela Confederação Nacional do Transporte (CNT). A diretora executiva interina da entidade, Fernanda Rezende, destaca que a economia circular deve ser incorporada nas políticas públicas de renovação de frota e infraestrutura. "A CNT defende que a transição energética e a renovação da frota tenham como princípio a economia circular, de maneira que demais setores sejam beneficiados com a reciclagem, inclusive a automotiva", pontua.
Segundo especialistas, a aplicação de plástico reciclado no asfalto não só aumenta a resistência da pavimentação, como reduz custos e emissões associadas à produção de insumos derivados do petróleo. Para Núbia Rodrigues, iniciativas desse tipo ampliam o impacto social e ambiental do trabalho das cooperativas. "Tudo o que fazemos é para melhorar a vida dos catadores e evitar que resíduos valiosos sejam desperdiçados. Saber que parte desse esforço pode ajudar a melhorar estradas e reduzir danos ao meio ambiente é motivo de orgulho", conclui.
Para a Confederação Nacional do Transporte (CNT), esse tipo de inovação precisa ser integrado às políticas públicas de infraestrutura e transporte. A diretora executiva interina da entidade, Fernanda Rezende, destaca a importância da economia circular no setor. "A CNT defende que a renovação de frota e a transição energética incorporem a reciclagem de materiais. Isso permite que setores como o de pavimentação se beneficiem com insumos reciclados, fechando o ciclo produtivo e reduzindo impactos ambientais."
Além dos ganhos ambientais, o asfalto com plástico oferece vantagens logísticas: menos manutenção significa menor interrupção no tráfego, reduzindo custos operacionais no transporte de cargas e passageiros. Para cooperativas como a Recicla Mais Brasil, a tecnologia representa não apenas uma nova oportunidade de mercado, mas também um elo estratégico entre reciclagem e infraestrutura sustentável.
"Ver o material que a gente coleta virar estrada é a prova de que lixo não existe, o que existe é recurso mal aproveitado", resume Núbia Rodrigues.
Reutilização de plástico em rodovias
O descarte de plástico é um dos grandes desafios ambientais do século 21, e a busca por soluções mais sustentáveis para sua destinação final vem ganhando espaço também na infraestrutura viária. No Brasil, a aplicação desse resíduo reciclado na composição do asfalto já começou a ser testada, mas ainda enfrenta barreiras técnicas, econômicas e regulatórias.
De acordo com André Pereira de Morais Garcia, advogado especializado em Ambiental e ESG, o contexto global ainda é preocupante. “No mundo, a taxa média de reciclagem do plástico é de apenas 9%. A Europa é a única região que vem reduzindo a geração de plástico, enquanto o Brasil já está entre os quatro maiores consumidores do planeta”, afirma. No país, dados da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) mostram que somente 4% dos resíduos sólidos urbanos são reciclados — e, desse total, cerca de 25%correspondem a plásticos.
Garcia ressalta que o uso de polímeros como PET, HDPE e LDPE em pavimentos, prática consolidada na Espanha e em outros países europeus, traz ganhos ambientais e técnicos. “Esse tipo de asfalto tem maior durabilidade, reduz emissões associadas à manutenção e ainda diminui o ruído do atrito dos pneus. Além disso, contribui para a logística reversa e reduz o risco de que resíduos plásticos acabem nos oceanos, gerando microplásticos que prejudicam a fauna marinha e, indiretamente, a saúde humana”, explica.
Ele lembra que o Brasil já possui metas de reciclagem definidas por decreto, como 12% na região Sudeste até 2024 e uma meta nacional que varia entre 30%e 40%. “A destinação do plástico para rodovias pode impulsionar cooperativas e empresas de reciclagem, estimulando a economia circular prevista no Plano Nacional de Resíduos Sólidos”, diz.
Paulo Artaxo, professor da USP e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),concorda que a reutilização de plásticos em pavimentação é positiva, mas destaca o atraso brasileiro. “Obviamente, todas as possibilidades de reciclagem são muito bem-vindas.
Segundo Artaxo, a análise de viabilidade deve ir além do custo financeiro. “Há o custo ambiental e o custo social, que acabam sendo pagos por toda a sociedade.