Na mídia
Fonte: Migalhas
A prática do sharenting expõe crianças nas redes, gerando riscos à privacidade e possíveis danos morais, exigindo limites e proteção legal adequada.
Você postaria uma foto do seu filho chorando ou doente para centenas de pessoas verem?
A exposição de crianças nas redes sociais por seus próprios pais tem se tornado cada vez mais comum, impulsionada pela facilidade de compartilhamento e pela cultura da superexposição digital. Fotos, vídeos e detalhes da rotina infantil são divulgados muitas vezes de forma ampla. O que muitos pais fazem, quase sem pensar, tem sido chamada de sharenting.
A palavra vem da junção de share (compartilhar) com parenting (criação dos filhos) e se refere ao hábito, cada vez mais comum, de divulgar imagens e informações sobre a vida das crianças nas redes sociais.
Pode parecer inofensivo, mas a exposição excessiva de crianças na internet (já chamado de oversharenting) traz riscos reais: violação da privacidade, uso indevido da imagem por terceiros, cyberbullying, sequestros de identidade digital e, não raro, danos psicológicos. Isso sem contar os casos em que a exposição se transforma em lucro, com perfis de bebês/crianças influenciadores e "publis" com milhares de curtidas.
A legislação brasileira já garante proteção à imagem e à privacidade de todos, inclusive das crianças. A Constituição Federal e o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente reconhecem que toda criança é sujeito de direitos. O art. 17 do ECA afirma que é dever de todos preservar a imagem, a identidade e a privacidade da criança, mesmo no ambiente familiar.
Muitos pais acreditam que, por exercerem o chamado poder familiar, têm liberdade total sobre o que compartilhar dos filhos. Mas não é bem assim. O poder familiar é um conjunto de deveres e direitos voltados à proteção, cuidado e desenvolvimento do menor. Ele existe para servir ao melhor interesse da criança, nunca para atender às vontades ou interesses dos adultos.
Em situações de sharenting excessivo ou com fins comerciais, esse limite pode ser ultrapassado. Já há casos em que pais foram processados por exposição indevida, e decisões judiciais reconhecendo que o uso da imagem da criança pode gerar dano moral, mesmo quando a publicação foi feita com "boa intenção".
É o caso de uma decisão proferida em uma Vara da Família de Rio Branco/AC, que proibiu a divulgação de fotos e vídeos da criança para além do que seria considerado como "normal".
Mas, afinal, o que seria "normal"? Segundo informações do TJ/AC, o magistrado ponderou que o limite da exposição seria a divulgação de fotos e vídeos em registros de datas comemorativas ou momentos em família.
Aliás, nem sempre a exposição parte dos próprios pais. É cada vez mais comum que tios, avós, padrinhos ou até os pais de amigos publiquem imagens de crianças sem autorização expressa da família. Embora muitas vezes bem-intencionadas, essas postagens também podem configurar violação de direitos, especialmente quando a imagem é divulgada em contextos públicos ou redes abertas.
A LGPD trata o dado pessoal de crianças como sensível e exige cuidados especiais em relação a fotos, vídeos e outras informações divulgadas nas redes.
Embora o Brasil ainda não tenha uma lei específica sobre sharenting, outros países já discutem projetos que preveem até a retirada do conteúdo caso a criança, ao crescer, se sinta prejudicada.
Aqui, o debate ainda é incipiente, mas começam a surgir cada vez mais casos e problemas, especialmente quando não há consenso entre os próprios pais a respeito da exposição da criança.
Mas calma, isso não significa que os pais não possam compartilhar momentos com seus filhos e nem que devam sair apagando as fotos em família de suas redes sociais. Mas o cuidado deve existir.
Antes de publicar, vale sempre algumas reflexões envolvendo o desejo da criança, eventual constrangimento ou exposição de intimidade, interesse econômico na divulgação, etc.
A infância precisa de proteção e isso vale também para o mundo digital. Pais são responsáveis por preservar a imagem dos seus filhos. Entre "likes" e lembranças, que prevaleça o respeito ao direito de ser criança, longe da vitrine constante (e quase sempre desnecessária) da internet. Mais do que seguidores, nossos filhos precisam de proteção.