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Fonte: Valor Econômico
No dia 08 de outubro de 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão de grande repercussão no âmbito do julgamento do Recurso Especial 2.205.709/MG, no qual se discutiu a natureza jurídica do crime de poluição ambiental, previsto no artigo 54, da Lei Federal nº 9.605/1998. Esta decisão, de caráter vinculante, altera significativamente o entendimento sobre a configuração do conceito geral do referido delito, particularmente no que se refere à necessidade de prova técnica (perícia) e à definição do que constitui um risco à saúde humana.
A questão central do julgamento foi determinar se a configuração do crime ambiental de poluição exige a comprovação do dano efetivo à saúde humana ou se basta a demonstração da potencialidade de dano. O STJ concluiu que o tipo penal possui natureza formal, ou seja, não é necessário comprovar a ocorrência efetiva do dano à saúde humana, bastando a evidência da potencialidade de causar esse dano.
Esse entendimento implica uma flexibilização nas condições de prova, contrariando expressamente regras gerais do Processo Penal, que exige o exame do tipo penal (art. 158 e ss.), uma vez que o tribunal considerou que a configuração da infração ambiental poderia ser demonstrada por qualquer meio de prova idôneo e não necessariamente por meio de perícia técnica. Isso reflete uma mudança significativa, pois historicamente a prova pericial era vista como essencial para atestar os danos causados por atividades poluidoras.
A ampliação do conceito de "risco potencial" traz à tona questões sobre a segurança jurídica dos envolvidos. A ausência de uma perícia técnica obrigatória pode resultar em interpretações subjetivas sobre o que constitui um risco à saúde humana, o que abre espaço para uma maior imprevisibilidade nas decisões judiciais. Tal circunstância pode prejudicar a defesa de empresas e indivíduos acusados, uma vez que a subjetividade da prova pode ser utilizada para configurar a responsabilidade penal, mesmo sem um dano concreto.
Além disso, a flexibilização da prova técnica implica a possibilidade de que, em muitos casos, a decisão seja baseada em outras evidências, como laudos administrativos, declarações de autoridades sanitárias ou até testemunhos. Isso pode resultar em uma maior celeridade nos processos, mas também em um cenário onde a robustez técnica da defesa seja desafiada.
O entendimento do STJ também gera um ponto de tensão entre as esferas penal e administrativa. Enquanto no campo penal a comprovação do risco à saúde humana pode ser feita por diversos meios de prova, incluindo testemunhos ou documentos não técnicos, na esfera administrativa a legislação, como o Decreto nº 6.514/2008, exige explicitamente a apresentação de laudos técnicos para a caracterização de infrações ambientais.
Essa divergência pode gerar confusão prática, uma vez que um fato que, na esfera administrativa, não seja considerado uma infração por falta de laudo técnico, poderia, no campo penal, ser configurado como crime com base tão somente em uma análise subjetiva do risco. Tal diferença pode resultar em uma insegurança jurídica adicional, particularmente para as empresas que operam em setores potencialmente poluentes.
A ampliação da responsabilidade penal para incluir comportamentos que gerem risco potencial sem a efetiva ocorrência de dano levanta ainda uma importante reflexão sobre a função do Direito Penal. Isso porque, o Direito Penal é – e deve ser – a ultima ratio do Direito, ou seja, reservado para as infrações mais graves, cujos danos são concretos, evidentes e não sanáveis pelas demais esferas do Direito, como o administrativo neste caso. Assim, ao permitir a punição de condutas baseadas tão somente em eventual risco, o STJ parece diluir a excepcionalidade da intervenção penal.
Esse movimento pode ser visto como uma tentativa de prevenção dos danos ambientais e da saúde pública, mas é necessário questionar, conforme exposto acima, a sua realização por intermédio do Direito Penal. Por sua natureza punitiva, o Direito Penal pode ser utilizado de forma mais ampla e, possivelmente, inadequada para situações que poderiam ser resolvidas no âmbito administrativo. A adequação do uso do Direito Penal para tratar de riscos e não de danos efetivos é um ponto que deve ser debatido, especialmente em relação ao equilíbrio entre prevenção e os direitos dos acusados.
A mudança no entendimento do STJ descortina um cenário em que empresas que lidam com atividades potencialmente poluidoras precisam revisar suas práticas de compliance ambiental, especialmente no que se refere à gestão do risco à saúde pública. A falta de necessidade de perícia técnica para a configuração de um crime ambiental torna essencial que as empresas adotem práticas ainda mais rigorosas de monitoramento e mitigação de riscos, a fim de evitar a responsabilização penal por danos potenciais.
Esse novo cenário jurídico também demanda serviços especializados em assessoria jurídica preventiva, a fim de que as empresas atendam às novas exigências do STJ e adaptem suas políticas internas. A consultoria jurídica pode ser essencial na análise de riscos legais e na recomendação de medidas de conformidade para minimizar a exposição a acusações de crimes ambientais, cujos impactos podem ser significativos tanto para as pessoas jurídicas quanto seus administradores.