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Os riscos do não pagamento de tributo apoiado em decisão judicial posteriormente revogada

publicado em 22/04/2020 11:43

Fonte: O Estado de S.Paulo

Na última semana, temos acompanhado a escalada no número de ações propostas por contribuintes afetados pela atual pandemia de covid-19 em face da Fazenda Pública. As empresas, em geral, pleiteiam o adiamento do pagamento de tributos como medida para preservar caixa e garantir funcionamento, especialmente com a finalidade de manter postos de trabalho.

Uma dessas ações ganhou notoriedade em razão de sua ampla repercussão: a empresa Services Assessoria e Cobrança obteve uma liminar concedida pelo juiz da 21ª Vara Federal do Distrito Federal que autorizou o diferimento, por três meses, do pagamento de tributos federais para manter empregos e evitar o fechamento durante o período da pandemia.

Em paralelo à atuação do Judiciário, o Executivo também tem se movimentado com a publicação de decretos e portarias que visam a diminuir o impacto da pandemia sobre a economia. Tais medidas, no entanto, parecem não ser suficientes frente a todas as expectativas dos contribuintes nesse cenário de imprevisibilidade econômica.

Outro fator que ainda agrava o clima de incertezas é a recente decisão do TJSP que suspendeu cinco liminares, concedidas em primeira instância, para adiar o pagamento de ICMS e prestações de parcelamentos de débitos do imposto.

A decisão foi dada em sede de pedido de suspensão de liminares formulada pelo Estado de São Paulo. As liminares questionadas pelo Estado haviam suspendido a exigibilidade de tributos estaduais sob o argumento de que as empresas teriam sido prejudicadas pelo estado de força maior gerado pela quarentena, de modo que a situação de calamidade teria reduzido ou paralisado suas atividades.

A pergunta que colocamos aqui é, especificamente nos casos de pleito por diferimento do pagamento do tributo, a dos possíveis efeitos penais que essas decisões revogadas podem trazer para os contribuintes que foram “precariamente” beneficiados. Se um contribuinte deixar de pagar um tributo com base em uma decisão liminar posteriormente revogada, ele estaria cometendo crime tributário?

Acontece que, seguindo o raciocínio do que ocorre em uma ação anulatória, por exemplo, caso uma decisão liminar favorável ao contribuinte seja posteriormente revertida – em sentença, digamos – os tributos postos em cheque são considerados devidos e fica absolutamente sem efeitos a decisão anterior, estando o contribuinte sujeito a todas as sanções se deixar de pagar o que é devido ao Fisco.

Nos casos recentes anteriormente citados, porém, o contribuinte não está questionando o próprio tributo – se é devido, ou não – mas pleiteia, de modo específico, por um prazo maior para quitar os valores impostos. Nesse sentido, muitos dos pedidos feitos pelos contribuintes e das fundamentações das decisões liminares que lhes são favoráveis destacam que o objetivo da medida de diferir os tributos é justamente viabilizar a manutenção da atividade econômica e especialmente dos empregos.

O empresário que recebe uma liminar favorável, portanto, pode ter optado por imediatamente remanejar o caixa de sua empresa e ter direcionado os recursos devidos ao Fisco para o pagamento de salários ou para a quitação de obrigações essenciais para a manutenção do negócio (aluguéis, compra de insumos, quitação de dívidas de financiamento etc.).

Tais decisões liminares, no atual contexto de recessão pandêmica, acabam tendo caráter resolutivo: ainda que decisão posterior (da mesma instância ou de instância superior) casse a liminar, os recursos que seriam destinados aos tributos já deverão ter sido de fato direcionados à manutenção da vida econômica da empresa.

E isso decorre da própria natureza do pedido e da decisão (ao menos, é o que tem ocorrido nas fundamentações das decisões liminares que vêm sendo veiculadas na imprensa especializada), diferentemente, portanto, de uma liminar que ocorre em anulatória ou em uma execução fiscal.

Em se tornando o imposto novamente devido e exigível, mas não tendo o empresário mais os recursos necessários para quitá-los, é importante delimitar a excepcionalidade da situação para que se conclua não existir crime tributário (de supressão ou redução de tributo).

Ao deixar de recolher tributos regularmente apurados, acobertado por provimento judicial que desloca a data de vencimento das obrigações o empresário age dentro de um cenário de legalidade e boa-fé que pode ser traduzido / vencimento das obrigações, o empresário age dentro de um cenário de legalidade e boa-fé que pode ser traduzido como uma expectativa legítima de não-cometimento de crime.

Em termos técnicos, falta para a ocorrência de um crime o elemento da antinormatividade, imprescindível em delitos dessa natureza, uma vez que a conduta do empresário, ainda que por força de uma decisão temporária, manteve-se obediente ao direito aplicável.

Para tanto, é imprescindível que exista não apenas uma autorização judicial genérica diferindo o pagamento dos tributos, mas uma justificação condizente com o cenário de crise que dá base ao próprio pedido, bem como uma real condução dos recursos à finalidade lícita que lhe foi autorizada.

Vale notar que decisões judiciais dessa natureza dependem, via de regra, da demonstração da fragilidade situação econômico-financeira da empresa, que requer auxílio imediato, sob pena de comprometimento de suas atividades regulares e cumprimento de obrigações. Por essa razão, logicamente, o diferimento do pagamento de tributos não pode ser utilizado como instrumento para beneficiar sócios, com evidente oportunismo.

Os empresários que obtiverem decisões favoráveis para o diferimento de tributos em função da crise, mas desviarem os recursos para a entrega de dividendos ou para a remuneração dos executivos – ainda que de forma indireta, com operações de adiantamento de aumento capital, pagamento de juros sobre capital próprio, pagamento de bônus, pro-labores, oferta de opções, etc. – estarão claramente subvertendo o estreito quadro normativo judicial que autoriza o diferimento, o que certamente atrai consequências penais.

Por outro lado, mesmo que tais decisões venham a ser cassadas, justamente porque válidas enquanto vigentes, nenhum efeito penal se fará presente. A perda da eficácia de uma decisão que permite o diferimento do pagamento de tributos não faz surgir o crime contra a ordem tributária justamente porque a obrigação tributária somente não terá sido paga por força do provimento judicial. Mais ainda. Não pode haver caracterização de crime se o tributo ainda não puder ser pago após a retomada de sua exigibilidade (por força da revogação da decisão), notadamente porque um dos efeitos da decisão, em meio à crise, é a alocação de recursos para o cumprimento de obrigações diversas das obrigações tributárias. A falta de caixa, pois, para o pagamento de tributos, durante o prazo concedido pela decisão, será consequência lógica da medida. Daí a ausência do dolo, necessário à caracterização do crime contra a ordem tributária.

De qualquer modo, o alerta é sobremaneira relevante. O empresário deve estar preparado para contestar eventual investida de órgãos públicos, inclusive na esfera judicial penal, em virtude de eventual decisão que resulte no inadimplemento de tributos. Recomenda-se, pois, que cada passo, cada decisão tomada, cada pagamento parcialmente realizado ou diferido seja minuciosamente debatido e registrado. Afinal, se for necessário fazer prova de algum tipo de boa-fé, posteriormente, essa prova incumbirá ao próprio empresário.

O cenário atual é de incerteza e decisões liminares como as descritas no decorrer do texto ainda devem se repetir ao longo da crise, talvez com pequenas mudanças face às decisões dos tribunais, eventuais aprovações de atos do Legislativo e do Executivo. O que é importante, contudo, é termos sensibilidade jurídica para não enquadrar, sem anterior análise, qualquer desvio como crime.

*Pedro Simões, advogado do escritório Duarte Garcia Serra Netto e Terra Advogados e doutorando em Direito pela USP; Natalia Ikeda, advogada do mesmo escritório, é graduada em Direito pela USP e pós-graduanda em Direito Penal Econômico e Compliance pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)

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