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Compliance nunca foi tão necessário em contratações públicas

publicado em 19/05/2020 16:55

Fonte: Estadão

A caracterização da pandemia do coronavírus (covid-19) como “calamidade pública” tem inúmeros reflexos no mundo jurídico, com destaque especial para a gestão pública. Considerando os desafios que a Administração Pública precisa enfrentar para conter as consequências da pandemia, ao mesmo tempo em que continua com a função de atender outras necessidades públicas, abre-se espaço para a flexibilização de certas normas com o objetivo de viabilizar atuações administrativas consideradas urgentes, excepcionais e indispensáveis ao interesse público.

Exemplos dessas providências podem ser observados em leis de todas as esferas federativas, com destaque para a Lei Federal nº 13.929/2020, que instituiu medidas para enfrentamento da pandemia. Entre outras regras referentes às interações público-privadas, a Lei permitiu a contratação de empresas inidôneas, declarou a presunção do estado de emergência para fins de dispensa de licitação, autorizou a requisição administrativa de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas e permitiu alterações contratuais em limites acima dos previstos na legislação tradicional.

A realização de atos administrativos que outrora poderiam ser considerados desarrazoados justifica-se pela situação de calamidade pública e a necessidade de tomada de decisões urgentes e eficazes para o combate à epidemia. Do outro lado da balança, impõe-se a adoção de mecanismos de conformidade. Afinal, é justamente em momentos de exceção como o que estamos vivenciando que as regras de compliance na interação do poder público com agentes privados devem ser reforçadas, e não esquecidas. Lembramos que a Lei Anticorrupção e a Lei de Improbidade Administrativa continuam em vigor!

A flexibilização legal exige mais do que nunca o exercício rigoroso do dever de diligência. Isto não significa dizer que o poder público não possa se valer de mecanismos como a dispensa de licitação e o recebimento de doações do setor privado, mas demanda, ainda mais, que as escolhas públicas sejam justificadas, realizadas com integridade e no propósito de se atingir um benefício social maior.

É preciso, portanto, que o agente público continue atuando da forma mais estritamente legal possível, ainda que haja a flexibilização legal, buscando evitar o aumento da prática de atos de corrupção justamente em virtude das circunstâncias atualmente vividas. É justamente em um momento de crise como este que o agente público deve atuar de forma ilibada e responsável na gestão fiscal, e, ainda, promover a publicidade máxima dos atos praticados, com a maior transparência possível para este momento.

A prática de atos de corrupção continua a existir mesmo no estado de exceção e pode até mesmo ser mais recorrente, em face da flexibilização de certas normas. Por isso, é preciso mais do que nunca reforçar medidas que dificultem práticas ilícitas já conhecidas de longa data no mundo inteiro que podem se dar de diversas maneiras, dentre elas: (i) superfaturamento ou sobrepreço em virtude na necessidade e urgência da situação, (ii) descumprimento de normas regulatórias e de qualidade exigidas para a fabricação ou fornecimento de um determinado produto ou prestação de um serviço, e (iii) privilégio de um determinado fornecedor em detrimento de outro que seja mais adequado para a demanda.

Aos gestores públicos, impõe-se o dever de zelo ainda maior na formalização dos atos relativos às compras, tais como a justificativa e publicidade, a qual deve ser imediatamente disponibilizada na internet, nos termos do art. 4º, §2º da Lei nº 13.979/2020. A autorização para contratação por dispensa de licitação com base em termo de referência ou projeto básico simplificados não desobriga o órgão contratante da apresentação de justificativa, da demonstração da adequação orçamentária, da fixação de critérios de medição e da demonstração da estimativa de preços objetivos por parâmetros objetivos.

O gerenciamento de riscos ao longo da execução do contrato é indispensável, especialmente porque a Lei nº 13.979/2020, no art. 4º-D, o dispensou na fase prévia à contratação. Recomendável, ainda, a instituição de comissão de agentes de fiscalização para acompanhamento especial dos contratos celebrados por dispensa de licitação no período da calamidade pública, para harmonizar a gestão dos contratos.

Vale atentar-se às recomendações e documentos que os órgãos de controle outras entidades públicas de referência, tais como a Advocacia Geral da União, vêm editando para apoiar os gestores na tomada de decisão e nas contratações. Os órgãos de controle estão atentos ao alvoroço das contratações mais flexíveis e, após a pandemia, qualquer excesso na conta será cobrado.

Como toda moeda tem dois lados, cuidados semelhantes devem ser tomados pelas empresas privadas que contratarão com o poder público neste momento de crise. É imprescindível que a empresa intensifique as suas práticas de compliance e medidas anticorrupção na interação e negociação com os agentes públicos.

Se, por um lado, os momentos de crise dão margem para comportamentos oportunistas e atos de corrupção, por outro lado, a crise pode reforçar em muitos agentes do setor privado o sentimento de civilidade e responsabilidade social, além de estimular a honestidade e integridade em seus atos, contratos e negociações.

Cabe aos agentes privados demonstrarem a conformidade na sua atuação e interação com o poder público, redobrando cuidados como: (i) a diligência na documentação e na obtenção das respectivas autorizações regulatórias para a fabricação e fornecimento de determinado produto ou serviço, (ii) transparência na negociação, (iii) precificação justa, (iv) demonstração de idoneidade e boa-fé.

A adoção de medidas de conformidade nunca foi tão necessária. Neste momento, os programas de integridade “elaborados para inglês ver” serão postos à prova. Não há que se olvidar que a sociedade está mudando com a crise da covid 19 e os oportunistas de plantão certamente serão lembrados quando a turbulência passar. Dentre tantos legados negativos que a pandemia pode nos deixar, esse é daqueles que pode ser evitado.

*Gabriela Blanchet, sócia-fundadora do escritório Blanchet Advogados, líder da área de Governança Corporativa, Riscos e Compliance. Diretora executiva do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial – IBDEE. Membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. Coordenadora do squad jurídico do grupo Techs for Testing. Autora de artigos e palestrante

*Marcela de Oliveira Santos, advogada na Duarte Garcia, Serra Netto e Terra Sociedade de Advogados, em São Paulo/SP. Professora de cursos e pós-graduação. Diretora Administrativa do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial – IBDEE

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