Na mídia
Fonte: Valor Econômico
Esse é um pequeno devaneio que pode ser posto em prática por alguma empresa corajosa e realmente preocupada com a pauta ESG
Recentemente, ouvindo a participação do professor de direito empresarial Calixto Salomão Filho no podcast “Direito Empresarial Café-com-Leite”, apresentado pela professora Amanda Athayde (UnB), tive uma ideia. O professor Calixto, ao comentar sobre a tendência ESG apresentou um desafio concreto àqueles que se propõem a pensar a empresa: como alocar novos interesses (tais como sustentabilidade e comunitarismo) dentro dos órgãos da companhia?
A Lei de Sociedades Anônimas já diz que o acionista controlador deve utilizar seu poder para cumprir com a função social da empresa e que tem deveres e responsabilidades para com os trabalhadores e com a comunidade em que atua.
Apesar de não haver uma menção expressa ao meio ambiente, não é nenhuma novidade alegar que isso integra a função social da empresa. Mas, então, na grande companhia, o peso dos deveres ESG estaria restrito ao controlador?
O questionamento do professor Calixto foi, justamente, no sentido de pensar a empresa de forma institucional e organizativa, a empresa de forma institucional e organizativa, a partir de uma provocação: em quais estruturas de governança podemos mexer para internalizar interesses externos? Pressupõe-se que esses interesses externos são legítimos e benéficos para a empresa como um todo e para seus stakeholders.
O professor dá um exemplo de sucesso: a participação de representantes de trabalhadores nos conselhos de administração de empresas alemãs levou estas a priorizar investimentos de longo prazo (os quais também costumam ser mais benéficos em termos de manutenção de empregos). Essa postura de investimento é resultado desse tipo de “embate” de interesses que passou a ocorrer no coração das empresas.
Não podemos nos iludir: todos saíram ganhando. A Alemanha do pós-guerra cresceu e desenvolveu uma indústria forte (o país é um conhecido exportador de bens duráveis) que gerou desenvolvimento social e econômico de destaque na Europa. Certamente, há outros fatores que explicam esse sucesso, mas é justo identificar nessa política pública empresarial um deles.
A presença dos conselheiros independentes em grandes companhias abertas talvez já seja a realização de parte desse intuito - um conselheiro voltado para as questões de governança, que atua pelos interesses institucionais da companhia sem amarras com outros grupos que compõem a vida societária.
A proposta começa por aí, por esse caminho que já está sendo trilhado por diversas empresas, mas vai além - a proposta envolve atender, também, as vertentes ambiental e social.
Como fazer isso? Uma sugestão seria, justamente, as empresas buscarem pessoas para atuar como conselheiros independentes dentro de seus conselhos de administração com foco na proteção do meio ambiente e das comunidades impactadas pela atividade empresarial. Aqui, uma pausa é relevante: de que pessoas estamos falando?
Eu me lembro com clareza de uma fala da então presidenciável Marina Silva ao ser questionada sobre a indicação do polêmico pastor evangélico e deputado Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados. Sendo muito criticado por ser um evangélico conservador, Marina Silva matou a charada, o problema não estava na fé do deputado, afinal a própria Marina também era evangélica.
Ela disse o seguinte: “Eu fui da Comissão e nunca me questionaram dizendo que estava despreparada para estar na Comissão. O deputado Feliciano não tem tradição na defesa dos direitos humanos, e a minha preocupação não é só com temas do comportamento. E ele vai lidar também com desaparecidos políticos, dos direitos indígenas. O que ele vai fazer em relação a essas agendas?”
Tradição na pauta, é isso o que importa. Um conselheiro independente focado em questões ambientais ou em questões sociais dificilmente será um grande administrador de empresas de sucesso. Não é impossível, certamente, mas a tradição de defesa da sustentabilidade e do desenvolvimento social costuma estar em outros pólos.
Como as empresas poderiam buscar e capacitar essas pessoas? Por uma rede de parcerias com o terceiro setor. Essa é a proposta.
Há diversas organizações sérias e bem-reputadas que são verdadeiros hubs de especialistas nesses assuntos. Elas, certamente, seriam capazes de alimentar essa diversificação de interesses dentro dos conselhos das empresas.
Essa proposta ainda tem um objetivo de longo prazo. Ao aproximar os interesses ambientais e sociais dos interesses empresariais, ela pode levar a uma diminuição do litígio entre a empresa e seus stakeholders.
Trazê-los para dentro da vida empresarial não irá eliminar o litígio, mas criará uma instância de decisão diplomática, um filtro ao litígio e, certamente, aumentará a diversificação de fontes de informações, auxiliando os demais administradores a tomar decisões melhores em favor da companhia.
Essa, claro, é uma proposta preliminar, a ser criticada, aprimorada, desenvolvida.
Talvez, porém, pudéssemos ir além e fazer do conselheiro independente o governance director, ou o responsável pela seleção do governance officer.