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Fonte: Valor Econômico
As novas instruções do Banco Central inserem as fintechs em um mundo mais cauteloso e mais consciente de sua parcela no risco sistêmico global
Por Pedro Simões e Alison Dorigão Palermo
Nos últimos anos, o desafio de “bancarizar” a enorme parcela da população brasileira ainda sem acesso ao sistema financeiro nacional foi primordialmente assumido como um conjunto de oportunidade de novos negócios aproveitado por novos players que ficaram conhecidos como fintechs. A movimentação no mercado, tradicionalmente concentrado em grandes instituições financeiras, abriu portas para unicórnios criados no Brasil e novos agentes internacionais.
No portfólio das fintechs foram priorizados produtos com novas roupagens e identidades, de acesso imediato e priorizando o cliente, na linha da “user experience”.
Para competir com grandes ou para ocupar o vácuo que elas deixaram, as fintechs possuem em sua base a junção de tecnologia (seus produtos, canais de distribuição e clientes são todos “digitais” e as tradicionais experiências de agência e correspondência foram substituídas por aplicativos altamente funcionais) e finanças (produtos de microcrédito financiados por FIDCs ou outros veículos de securitização, produtos de crédito garantido ou com propósito específico, contas a custo zero, acesso ao PIX a partir de contas exclusivamente digitais etc).
Com apenas o toque da tela de seu celular, poderá realizar tais contratações, com a liberdade e rapidez que antes era limitada, necessitando passar por portas giratórias, por filas e senhas. No universo das fintechs o dinamismo está presente desde o momento do download do aplicativo até a finalização da aquisição do produto desejado.
A não tão nova palavra “selfie” fez com que toda a virtualidade desses contratos tivesse uma base de humanização, pois todo e qualquer relacionamento dentro desse cenário é realizado por meios móveis, conexão via internet e zero contato humano, perfazendo a declaração do cliente, de onde ele vive, renda e motivos pelo qual deseja adquirir determinado produto. Esta evolução do “ID&V”, Identificar e Verificar, fixa sua raiz num momento delicado para todos, ou seja, a pandemia mundial.
Nesse sentido, o lockdown impulsionou o crescimento das fintechs como intermediadoras ideais entre os consumidores enclausurados e os marketplaces digitais. Tal qual os 50 anos em 5, em que Juscelino Kubitschek desenvolveu o Brasil, o Banco Central fez um racional análogo de 5 anos em 1, isso dito pela quantidade de inovação que houve e está a acontecer no mercado nacional, seja pelo inovador sistema PIX, seja pelo Open Banking e demais práticas que englobam o próprio compliance bancário, especialmente com a Abordagem Baseada em Risco (ABR). O crescimento vertiginoso das fintechs não ocorreu sem apoio do Estado - o Banco Central, de forma ousada, adotou um verdadeiro projeto 50 anos em 5 e as normas que saíram nos últimos anos, com destaque para regulação do PIX e do Open Banking, fomentaram muito esse mercado.
O regulador, porém, também ajudou a proliferação das fintechs com aquilo que deixou de fazer nos últimos 5 anos, mas fez agora: editar normas que reforçam os controles. Caso o Banco Central tivesse aproveitado a onda regulatória das instituições de pagamento - forma assumida pelas principais fintechs -, entre 2013 e 2018, para já impor regras de controles de capital e contábeis, como optou por fazer agora, o ecossistema de novos participantes não teria percebido o mesmo dinamismo.
Ocorre que o risco no universo das fintechs é abordado de forma divergente da dos bancos clássicos, que nascem dentro uma cultura de controle risco inspirada nos padrões de Basileia. Em prol da celeridade, da experiência ímpar e de um apetite de risco financiado por venture capital, as fintechs tendem a assumir classificações de risco de crédito, operacional, socioambiental, sistêmico, enfim, a assumir o risco diferentemente do que um banco faz. Realizam o cadastro e a oferta de novos produtos ou patamares de crédito de forma gradual e evolutiva de acordo com o apetite de aquisição de determinado produto financeiro.
As novas instruções do Banco Central, porém, aproximam os dois universos, dos bancos e das novatas, e inserem estas em um mundo mais cauteloso e mais consciente de sua parcela no risco sistêmico global por serem cada vez uma parte mais relevante do sistema financeiro nacional. Ainda de forma positiva, em termos de não criar burocracias demasiado severas para as fintechs, as normas de regulação prudencial apenas entrarão em vigor a partir de 2023 para implementação completa até o início de 2025, tendo como paradigma o desenvolvimento de ajuste do patrimônio e dos controles internos de forma segura.
A nova era das fintechs deixa alguns desafios. Ela reconhece a aproximação entre os players novos e os tradicionais - a tipologia de conglomerados proposta pelo Banco Central reconhece isso de forma clara - e chama atenção para os cuidados necessários a fim de manter o clima de alta competitividade no mercado financeiro. Uma série de outros controles, já existentes, como os socioambientais, operacionais e de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo também deverão ganhar mais relevância nos próximos tempos.
Pedro Simões e Alison Dorigão Palermo são, respectivamente, coordenador da equipe de penal empresarial e compliance do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra e diretor educacional do Instituto de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Combate ao Financiamento do Terrorismo (IPLD); e advogado, MBA, pós-graduado em direito penal com foco em prevenção à lavagem de dinheiro, professor e palestrante em cursos de extensão em universidades e entidades de classe e diretor de compliance do Banco Modal.
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