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Volume de decisões com perspectiva de gênero dispara no Judiciário

publicado em 23/01/2025 12:16

Fonte: Valor Econômico

Levantamento mostra que número de julgamentos na segunda instância e tribunais superiores triplicou entre 2023 e 2024

O número de decisões judiciais de segunda instância e de tribunais superiores com base no protocolo de perspectiva de gênero mais que triplicou entre 2023 e 2024. Levantamento feito pelo escritório Trench Rossi Watanabe mostra que a expressão foi citada em 3.189 julgamentos realizados no ano passado. No ano de 2023, em 1.018. Se comparado com 2022, o aumento é ainda maior. Só 403 decisões daquele ano mencionam o uso da diretriz.

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero foi aprovado em fevereiro de 2022 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e está previsto na Recomendação nº 128. O texto, que segue determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), orienta a magistratura a compreender a perspectiva de gênero para superar estereótipos e preconceitos.

A maioria das decisões com perspectiva de gênero é das áreas criminal e de família, segundo as advogadas Fernanda Haddad e Giuliana Schunck, que coordenaram o estudo do Trench Rossi Watanabe. E a perspectiva para 2025, afirmam elas, é de crescimento ainda maior no volume de decisões com base no protocolo, à medida que ele se populariza.

Só na área de família, o número de decisões aumentou 72% entre 2023 e 2024, passando de 29 para 50. O protocolo já foi aplicado em julgamentos sobre partilha de bens, divórcio, pagamento de pensão e dissolução de união estável, por exemplo.

Em uma decisão de 2024, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), reconheceu que “o rompimento do vínculo conjugal é mais difícil para grande parte das mulheres brasileiras”, não só por acirrar o risco de violência doméstica, mas por aumentar sua vulnerabilidade financeira.

No caso analisado, a ex-mulher ajuizou ação para a divisão de um imóvel e um automóvel não incluídos na partilha original. O juízo determinou a emenda da petição inicial, para que fosse comprovada a propriedade dos bens. No entanto, era o ex-marido quem controlava toda a administração do patrimônio do casal e ela não tinha acesso a esses documentos.

Por isso, o colegiado, sob relatoria de Eduardo Augusto Salomão Cambi, ordenou que o juízo de origem tomasse medidas para mitigar a diferença de capacidade probatória, para não prejudicar o pedido da mulher diante da situação de vulnerabilidade em que ela se encontrava (processo nº 0005144-90.2023.8.16.0045).

Em uma ação de divórcio julgada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 8ª Câmara Cível destacou, também com base no protocolo de gênero, que a dinâmica familiar predominante no país atribui à mulher uma carga muito maior de dever de cuidado sobre os demais membros da família.

Essa constatação fundamentou a reforma da sentença para determinar o pagamento de pensão alimentícia equivalente a 15% da renda do ex-marido. O processo era de relatoria de Ricardo Moreira Lins Pastl (processo nº 5004077-29.2020.8.21.0026).

Em um processo a respeito da constituição de união estável, o Tribunal de Justiça de São Paulo rechaçou a alegação de infidelidade da mulher para questionar a constituição do vínculo, também com base no protocolo de gênero. A 7ª Câmara de Direito Privado, em uma ação relatada pela desembargadora Lia Porto, entendeu que é necessário “evitar que a naturalização de comportamentos e conceitos históricos sobreponha-se à prova dos autos e à técnica jurídica” (processo nº 1016765-35.2020.8.26.0032).

Já a violência doméstica perpetrada pelo homem contra a mulher foi levada em consideração tanto pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na análise de manutenção de pagamento de pensão (processo nº 5012998-40.2022.8.13.0313), quanto pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que analisou um processo em que uma mulher paga pensão a um homem, mesmo tendo sofrido violência doméstica. O ex-marido, portador de cardiopatia, pleiteou um aumento do valor, mas teve o pedido negado (processo nº 0041958-58.2023.8.19.0000).

“No fundo, o protocolo do CNJ é uma tentativa de reparação, de ter um cuidado maior com as partes vulneráveis. Sua própria existência demonstra que a sociedade está caminhando, mas que os preconceitos ainda estão presentes. O Judiciário reflete a sociedade”, afirma Giuliana Schunck. Apesar de o protocolo ser destinado a combater desigualdade de gênero, ele também engloba outros tipos de preconceito. “No dia a dia das unidades judiciárias, deve-se levar em consideração que a violência afeta de maneira e intensidade diferentes as mulheres negras, pessoas com deficiência, indígenas, quilombolas, idosas e LGBTQIA+”, diz um trecho do documento.

Na Justiça do Trabalho, por exemplo, ele foi aplicado em um caso de racismo. O processo trata de um funcionário de supermercado, homem, que foi alvo de xingamentos racistas por parte de uma cliente. A empresa não tomou nenhuma medida para proteger o trabalhador ou investigar o ocorrido.

Citando o protocolo, o juízo da 89ª Vara do Trabalho de São Paulo afirmou que “a influência do patriarcado, do machismo, do sexismo, do racismo e da homofobia são transversais a todas as áreas do direito”. Pela decisão, a empregadora foi condenada a pagar danos morais e adicional de insalubridade (processo nº 1000555-42.2023.5.02.0089).

Nesse ramo do Direito, segundo Luciana Guerra Fogarolli, do Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, o protocolo é mais comumente aplicado em ações que discutem assédio moral ou sexual, estabilidade da gestante e reversão de pedido de demissão em situações de demissão discriminatória envolvendo gênero.

Apesar da amplitude dos temas, ainda são poucas as decisões trabalhistas que aplicam o protocolo. Segundo o levantamento do Trench Rossi, feito por Priscila Kirchhof, com base em pesquisa na plataforma Inspira, que não inclui a primeira instância, o número de decisões subiu 73%, de 531 em 2023 para 920 no ano seguinte - na esfera trabalhista, foram julgados, só em 2023, 3,5 milhões de processos.

“Essa discrepância é particularmente relevante considerando que questões relacionadas ao gênero são frequentemente abordadas em demandas trabalhistas muito frequentes, como nos casos de estabilidade gestante, assédio moral e assédio sexual”, afirma Luciana Fogarolli.

A maior parte dos processos em que há aplicação do protocolo, no entanto, é da área criminal. João Augusto Gameiro, sócio da área Penal do Trench Rossi Watanabe, buscou pelas decisões colegiadas e constatou que elas deram um salto: de 204 decisões em 2023 para 1.732 em 2024, um aumento de mais de 700%. Para esses casos, já há precedentes inclusive nos tribunais superiores.

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que a vulnerabilidade da mulher em casos de violência doméstica é presumida para negar um pedido de revogação de medidas protetivas (RHC 190050). Na 6ª Turma, o protocolo foi citado para chancelar a aplicação da Lei Maria da Penha em um caso de agressão contra uma mãe (REsp 2058209).

Flavia Ebaid, criminalista do escritório Bialski Advogados, destaca que o protocolo costuma ser aplicado para evitar a revitimização no sistema judicial. “No dia a dia, a aplicação se manifesta com os atos até na audiência, por exemplo, quando o advogado ou advogada da mulher chama atenção se forem feitas perguntas sobre o passado dela para justificar o ato julgado”, diz.

A advogada afirma que o protocolo funciona como uma espécie de roteiro para os magistrados, mas que “a resistência e os preconceitos enraizados são dificuldades para a sua implementação de forma mais significativa”.

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