Comunicados
Fonte: Valor Econômico
Questão estava sendo definida no Plenário Virtual, mas ministro Edson Fachin pediu destaque
O Supremo Tribunal Federal (STF) terá que reiniciar, em sessão presencial, o julgamento sobre a possibilidade de inclusão do período de recreio entre as aulas no cálculo do salário dos professores da rede privada, sejam de ensino fundamental, médio ou superior. A questão estava sendo definida no Plenário Virtual, mas acabou transferida após pedido de destaque do ministro Edson Fachin.
A medida também zera o placar do julgamento, que até então era favorável aos professores — quatro votos a dois. Todos os processos que tratam do assunto no país estão paralisados desde março de 2024 aguardando o resultado da análise da questão pelos ministros do STF.
A discussão envolve Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1058) apresentada pela Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades (Abrafi), que questiona entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Para os ministros do TST, o período do recreio deve ser considerado como tempo à disposição do empregador — ou seja, não pode ser descontado do salário.
A Abrafi alega que o TST não tinha competência para decidir sobre o assunto e teria infringido, portanto, os princípios da legalidade, da reserva legal e da separação entre os poderes. A entidade pede que o Supremo declare que a presunção de que o intervalo do recreio é “tempo à disposição do empregador” é inconstitucional, e que é necessária a apresentação de “prova de efetiva disponibilidade ou de efetivo trabalho”.
A ADPF apresentada afirma que os entendimentos judiciais têm potencial de impacto para 45 mil instituições privadas de ensino, que empregam aproximadamente 1 milhão de profissionais da educação.
Em manifestação ao STF, a presidência do TST defendeu que o tempo exíguo entre as aulas impossibilita que o empregado da escola exerça atividades que não se relacionem com a docência. Assim, na prática, os trabalhadores permanecem à disposição do empregador, “utilizando o período, inclusive, para dirimir dúvidas dos alunos”.
No Plenário Virtual, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, votou para declarar que é inconstitucional o entendimento de que o intervalo de recreio escolar sempre constitui tempo à disposição do empregador, e que é necessário avaliar cada caso concreto individualmente. Segundo ele, como não há lei específica a respeito do assunto, a decisão deve ser fundada “nas particularidades fáticas do caso concreto”. Ele foi acompanhado pelo ministro Dias Toffoli.
O ministro Flávio Dino abriu a divergência no Plenário Virtual e foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin. Em seu voto, Dino diferenciou o tempo à disposição do empregador, que se caracteriza quando o empregado está no local de trabalho esperando ordens, do intervalo intrajornada previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como a pausa para o almoço, que é descontada dos trabalhadores.
Para ele, não caberia estender a eficácia do regime excepcional, como o dos intervalos intrajornada, “por vontade unilateral do empregador, a outras pausas ou intervalos atípicos, tal como o recreio escolar”. “Achando-se o empregado no centro de trabalho, à disposição do empregador, estará cumprindo sua jornada para todos os efeitos, independentemente de estar efetivamente prestando serviços ou não”, defendeu o ministro.
Ele lembrou que, antes da reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), os professores não podiam trabalhar mais de quatro horas diárias e, dessa forma, não tinham direito a nenhum intervalo intrajornada. A nova lei, no entanto, extinguiu a jornada especial e eles passaram a se sujeitar às regras comuns da CLT. Nesse caso, em um expediente de oito horas, segundo o ministro, só pode haver um intervalo intrajornada — normalmente a pausa para o almoço.
Flávio Dino propôs a seguinte tese: “Tanto o recreio escolar (educação básica) quanto o intervalo de aula (educação superior) constituem, em regra, tempo do professor à disposição (CLT, artigo 4º, ‘caput’); excepcionalmente, tais períodos não serão computados na jornada, quando o docente adentrar ou permanecer no local de trabalho, voluntariamente, para exercer atividades exclusivamente particulares (CLT, artigo 4º, parágrafo 2º), conforme análise caso a caso pela Justiça do Trabalho”.
Segundo Mauricio Corrêa da Veiga, advogado trabalhista e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, o Supremo tem demonstrado nos últimos anos uma preocupação com a postura da Justiça do Trabalho de criar obrigações para empregadores sem que haja previsão legal. “Caso prevaleça o voto do ministro Gilmar Mendes, será dada a oportunidade para a negociação sindical estabelecer critérios objetivos para definir se o recreio constitui ou não tempo à disposição do empregador”, diz.
Eliane Ribeiro Gago, head da área trabalhista do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, afirma que o reconhecimento da presunção de disponibilidade “exigirá que as instituições de ensino encontrem soluções para essa nova realidade, especialmente diante da possibilidade de pagamento de horas extras”. Esse custo, acrescenta, provavelmente será repassado para as mensalidades escolares, “impactando diretamente os alunos e suas famílias”.
Porém, se prevalecer o entendimento de Gilmar Mendes, diz, as instituições de ensino terão mais flexibilidade para negociar diretamente com os sindicatos a inclusão do recreio na jornada de trabalho, “permitindo que as condições de trabalho sejam ajustadas conforme a realidade de cada escola” e evitando o aumento de custos trabalhistas.