Na mídia
Se você tem sentido o trânsito de São Paulo mais pesado nos últimos tempos, os números confirmam: a lentidão está voltando aos níveis próximos de 2019, antes da pandemia, e a cidade vive uma reconfiguração no padrão de congestionamentos.
Dados da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) mostram que, até 7 de outubro de 2025, a média diária de lentidão chegou a 394 km nas quintas-feiras, agora o dia mais congestionado da semana - superando a sexta-feira (388 km), que por anos foi sinônimo de caos no trânsito paulistano.
Terça e quarta também encostam nesse patamar, com médias de 377 km e 374 km, respectivamente.
Em 2019, o ano pré-pandemia, a média de lentidão às sextas-feiras, então o pior dia, era de 537 km. Cinco anos depois, com uma frota que saltou de 8,5 milhões para quase 10 milhões de veículos, os números estão, ano a ano, perigosamente se aproximando daquele cenário.
Para piorar o quadro, há menos ônibus circulando. Segundo a SPTrans, a cidade tinha 14.103 ônibus em operação em 2019. Em 2024, esse número caiu para 13.281.
A média geral de lentidão do ano também mostra a tendência: até outubro de 2025, a média diária foi de 296 km de lentidão, o maior para o mês desde 2019. No acumulado do ano, São Paulo já atingiu 76% do volume total de lentidão do período pré-pandêmico.
Por que sexta não é o dia com mais lentidão
Para o especialista em mobilidade urbana Rafael Calabria, a resposta está em uma combinação de mudanças comportamentais e estrutura urbana estagnada.
Ele explica que o trânsito de segunda a sexta continua sendo, majoritariamente, impulsionado pelo deslocamento de casa ao trabalho. O que mudou foi a distribuição dos dias presenciais, após a pandemia.
"O que gera o trânsito maior de segunda a sexta é o deslocamento casa-trabalho e trabalho-casa. Esse é o principal motivo das viagens e continua sendo o grande responsável pelos congestionamentos", explica.
"O que parece estar acontecendo é uma pequena mudança dentro desse padrão. As segundas e sextas-feiras, por ficarem próximas do fim de semana, estão sendo mais usadas para o trabalho remoto. Isso pode estar tirando parte da circulação nesses dias e concentrando o trânsito entre terça e quinta.”
Calabria observa que o fenômeno é visível especialmente entre quem usa carro - o público com mais condições de adotar o modelo híbrido de trabalho.
"O trabalho remoto e o uso do carro são realidades mais comuns nas classes mais altas. Já quem usa ônibus, normalmente em funções presenciais, continua precisando se deslocar todos os dias."
Mesmo assim, o especialista alerta: essa mudança não é estrutural. Ele explica que a base do problema segue sendo a dependência do automóvel. A cidade não fortaleceu o transporte coletivo no pós-pandemia. Pelo contrário, houve redução de frota e piora no serviço.
Efeitos da pandemia
Com medo da contaminação no transporte público e diante da redução da qualidade dos serviços, parte da população migrou de vez para o carro.
"O trânsito já voltou, mas o transporte coletivo não. Houve redução da frota e dos serviços noturnos. A pandemia deveria ter sido uma oportunidade para reforçar o transporte público e incentivar o uso de bicicletas e deslocamentos a pé. O que aconteceu foi o contrário: houve um desestímulo ao transporte coletivo e um reforço do carro", avalia.
Para o especialista, a aproximação dos números atuais ao período pré-pandemia nos dias de semana mostram dificuldade de atender o deslocamento mais básico, que é o casa-trabalho.
"É justamente o tipo de viagem mais fácil de planejar com transporte público. Se nem esse movimento está sendo bem atendido, é sinal de que há uma falha grave no planejamento da mobilidade."
Trânsito em outros países
O cenário não é exclusivo de São Paulo. Diversas metrópoles no mundo viram seus padrões de tráfego mudarem no pós-pandemia.
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Mas a forma de reagir fez toda a diferença.
Em cidades como Paris e Bogotá, governos aproveitaram o momento para expandir ciclovias, reorganizar o espaço urbano e incentivar o transporte coletivo com mais faixas exclusivas e integração entre modais.
Em São Paulo, as intervenções têm sido pontuais e tímidas. Resultado: a cidade voltou ao velho padrão - com congestionamento alto, baixa eficiência no transporte coletivo e pouca aposta em alternativas sustentáveis.
Planejamento urbano e mobilidade
O advogado Francisco Ribeiro Gago, especialista em urbanismo, lembra que o próprio Plano Diretor de São Paulo reconhece o papel da mobilidade como fator central na qualidade de vida e produtividade da cidade.
"O tempo gasto no deslocamento, quando excessivo ou prejudicado pela lentidão do trânsito, além de improdutivo, é estressante. Uma cidade com essa rotina de trânsito moroso afeta a qualidade de vida da população e a própria economia", afirma.
Para ele, é evidente que as políticas públicas precisam priorizar o transporte coletivo e a circulação de pedestres.
"O Plano Diretor de São Paulo já traz diretrizes para isso, ao incentivar o adensamento em regiões próximas ao transporte público e desestimular a criação de vagas de garagem. É um caminho para reduzir grandes deslocamentos e, consequentemente, a circulação de veículos."
O que diz a CET
Em nota, a CET afirma que "trabalha continuamente com ações de engenharia de tráfego, fiscalização e orientação aos motoristas e pedestres, além de integrar-se a outros órgãos da Prefeitura para planejar melhorias no sistema viário e no transporte público".
A empresa, vinculada à Prefeitura de São Paulo, acrescenta que "a reversão de quadros de maior lentidão envolve planejamento de médio e longo prazo, incentivo a modais alternativos e ajustes operacionais conforme a necessidade".
Como era e como está o trânsito da capital paulista
2019 (antes da pandemia):
2025 (até 7 de outubro):